Críticas


MARIA CALLAS – EM SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

De: TOM VOLF
Com: MARIA CALLAS, FANNY ARDANT (voz), JOYCE DiDONATO (voz)
06.12.2018
Por Luiz Fernando Gallego
Uma ficção cairia no clichê da artista infeliz na vida pessoal, mas este documentário mostra uma trágica realidade reconstituída com ótimo material de arquivo muito bem editado.

Maria Callas foi uma celebridade, principalmente na década de 1950: seu nome virou lenda nas casas de ópera de todo o mundo. Mesmo quem não curtia o gênero, tendo um mínimo de informação sobre o que se passava nos meios artísticos, obrigatoriamente teria ouvido falar em Callas como uma cantora lírica excepcional e com raro talento dramático.

Na década seguinte, quando já havia algumas críticas à sua competência vocal e ao seu comportamento instável, escândalos mundanos faziam de sua persona pública notícia frequente, agora especialmente pela ligação com o milionário Aristóteles Onassis, visto que ela havia diminuído radicalmente sua presença nos palcos das principais casas de ópera mundiais. Quando Onassis casou com Jacqueline Kennedy, sem que sua namorada de oito ou nove anos soubesse, tendo sido informada pelos jornais, era como se um “crepúsculo da deusa” tivesse se concretizado.

Não sei que repercussão seu nome pode ter ainda hoje em dia, e se um documentário baseado em entrevistas dadas por ela e em cartas escritas para amigos poderá atrair um público diferente dos fãs de ópera. Mas o filme de Tom Volf tem qualidades intrínsecas: quando não ouvimos a própria Callas, a atriz Fanny Ardant (que já fez o papel da cantora num filme de ficção dirigido por Franco Zefirelli) ou a também cantora lírica da atualidade, Joyce Di Donato, leem trechos da correspondência íntima de Maria (bem mais do que de “La Callas”) para pessoas amigas; às vezes tão famosas como ela (como Grace Kelly, princesa de Mônaco), outras vezes para amigas fora do circuito público do high society da época.

Não há outra forma de narração além destas, salvo nos letreiros finais que informam sua morte tão precoce aos 53 anos. Por um breve momento, numa entrevista gravada, dá-se voz ao cineasta Pier Paolo Pasoloni - que a dirigiu em sua única interpretação no cinema, apenas como atriz, em Medea, de 1969. Se ela era também admirada como cantora que sabia atuar, e se já havia encarnado a personagem mitológica nos palcos em uma ópera de Cherubini, a recente traição de Onassis no ano anterior não pode ser descartada como motivação para Callas ter aceitado o risco de enfrentar as câmeras sem cantar, "apenas" atriz. Afinal, Medeia também é uma mulher cujo esposo, Jasão, a troca por outra.

Há trechos em que vemos ou ouvimos interpretações completas de trechos operísticos mais conhecidos, como “Casta Diva”, “O Mio Babbino Caro” e a “Habanera” da “Carmen”, o que pode agradar mais - ou menos – ao público, conforme o interesse musical de cada um. Talvez alguns sejam até mesmo conquistados pelo magnetismo de suas interpretações. Mas o que mais chama a atenção é a tristeza que domina suas falas: obrigada pela mãe a entrar para um Conservatório de Música aos 13 anos de idade, Maria diz, mais de uma vez, que preferiria ter formado uma família. Entretanto, alega, ou se dedicava à sua arte ou seria mãe, jamais conseguiria fazer as duas coisas. E “destino é destino” (sic). Seria mesmo "destino"? Ainda é assim para mulheres artistas?

Parece ter sido infeliz também com o marido (e empresário) que abandonou por Onassis. Este lhe proporcionava a possibilidade de não ter que cantar, o que parece deixá-la mais tranquila e até mesmo alegre, já que é enorme a sugestão de que estar nos palcos teria se tornado um desafio enorme. A ponto de interromper espetáculos entre um ato e outro, alegando, às vezes, problemas respiratórios... mas em cartas privadas ela fala mesmo em “pânico” (no sentido de stage fright), causando mais escândalo e ofensas da imprensa. O assédio dos jornalistas é cruel e lhe é evidentemente penoso. Fica claro que ela não tem jogo de cintura para lidar com o assédio dos paparazzi.

A relação com Onassis terminou mal, ainda que tenha havido um reatamento, novamente escandaloso. Seu riso, muitas vezes parece forçado e seu semblante muda de um período para outro: às vezes parece bonita, outras vezes, no entanto, apenas tensa, assustada, acuada ou mesmo belicosa. Uma ficção forçosamente cairia no melodrama: o clichê da artista infeliz na privacidade; mas o que se vê na tela é uma dramática - ou mesmo trágica - realidade reconstituída com ótimo material de arquivo muito bem editado.

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