Críticas


PEQUENA MISS SUNSHINE

De: JONATHAN DAYTON e VALERIE FARIS
Com: ABIGAIL BRESLIN, GREG KINNEAR, PAUL DANO, ALAN ARKIN, TONI COLLETTE
20.10.2006
Por Luiz Fernando Gallego
COMO FRACASSAR NA VIDA FAZENDO FORÇA

A dupla de diretores Jonathan Dayton e Valerie Faris têm experiência em vídeos musicais para TV, categoria onde já receberam vários prêmios. Depois de cinco anos com dificuldades de orçamento, conseguiram rodar seu primeiro longa-metragem de ficção, este Pequena Miss Sunshine, com roteiro de Michael Arndt, outro estreante na área. Já os atores têm experiência e talento essenciais para o melhor que o filme reúne. A receptividade do público parece garantida por boas risadas e pela identificação que possa despertar o tema básico: loosers em busca do ideal de se transformarem em winners, assunto tão caro ao cinema americano - e ao american way of life.



Com a (relativa) exceção da personagem da sempre ótima Toni Colette, o filme reúne, em uma só bizarra família, um elenco de fracassados frustrados com suas expectativas de sucesso. A começar pelo marido de Colette (Gregg Kinnear, excelente), autor de um livro que espera ver publicado sobre como atingir o sucesso (“em nove passos”) assunto de palestras que ele dá para platéias - só que vazias, entediadas... e que ele não consegue motivar.



O filho adolescente do casal (Paul Dano) está fixado em leituras de Nietzsche e fez voto de silêncio até conseguir entrar para a Força Aérea; enquanto a filha de seus oito anos (Abigail Breslin, irresistivelmente simpática) tem como meta entrar num concurso de beleza para meninas - o que dá o título ao filme. Um irmão da mãe (Steve Carrel, provando que pode interpretar papéis melhores do que o de um virgem de 40 anos), personagem frustrado até em tentativa de suicídio, e um avô expulso de uma casa de idosos por uso de heroína (o veterano Alan Arkin) completam o time de eternos aspirantes a um sucesso improvável. O avô, agora usuário de drogas pesadas, cujo uso condena na juventude, pretenderia um sucesso sexual que talvez nunca tenha alcançado anteriormente. E o tio Frank cortou os pulsos ao não se ver honrado com o reconhecimento de maior acadêmico conhecedor de Proust nos EUA, prêmio dado a outro professor, para quem também perdeu seu ex-namorado e aluno.



Não é o mesmo gênero de “família maluca” de clássicos como Do Mundo Nada se Leva, uma turma muito mais ingênua e romântica, representante da época e da moral de Frank Capra, idealista de uma América onde o bem acabava sempre vencendo o mal - e que só existiu na Hollywood dos anos dourados. Mas uma permanente hesitação no tom crítico deste Pequena Miss Sunshine deixa a sensação de que seus realizadores recuaram na mordacidade e preferiram a segurança de uma comédia com certa dose de nonsense. E até bem divertida, já que quase tudo que exibe de insólito tangencia a realidade de pessoas visíveis fora da ficção - ou seja, por mais que as situações e personagens pareçam implausíveis, uma parte do que pensam, dizem e fazem pode ser encontrado nas ruas ou mais certamente em programas de TV que exploram uma certa inocência de gente que expõe com desfaçatez suas ambições irrealistas e/ou fora de tom.



O concurso de miss infantil seria o ápice dessa demonstração de metas “sem-noção” ao exibir uma patética erotização/sexualização precoce de meninas desfilando em maiôs, com cabelos volumosos, maquiagem exagerada, postura, caras e bocas de coelhinhas da Playboy. Este fenômeno de lolitização da infância poderia ser uma das cenas mais virulentas do cinema recente nas mãos de outra dupla mais experiente e esperta como a dos Irmãos Coen, demonstrando que tal conspurcação da infância não se restringiu à nossa terrinha com as roupas esdrúxulas e de mau gosto que o marketing das nossas xuxas & similares criou para seduzir as menininhas de mais de 20 anos atrás.



Há um momento em que alguns membros da família parecem ter um rompante de bom senso e tentam evitar a participação da caçula da troupe no lamentável desfile de crianças travestidas de daspu; mas o que é dito é que ela “não é uma miss”, ou seja, não teria o sex-appeal das demais concorrentes. Mesmo assim, o roteiro ainda reserva uma “virada” surpreendente ao radicalizar a formatação erotizada das menininhas, indo além do que parece estar sendo tomado como “normal” nesta desmesura. Mas novamente o filme logo atenua o que – sem dúvida – é uma crítica, só que com uma boa dose de vaselina de contemporização ao destacar a “loucura” dos personagens, em vez de usar da insanidade e equívocos como retratos apenas exacerbados de nossa cultura do narcisismo e do espetáculo.



Talvez o filme brinque com possíveis citações engraçadinhas, como na cena em que um guarda rodoviário pára a kombi amarelo-limão da família em direção ao local do concurso, o que pode lembrar uma cena de Psicose quando Janet Leigh dorme no acostamento e é acordada por um patrulheiro, temendo que o que fez de errado seja descoberto. A família também tem algo a esconder nessa hora. E que “algo”! O senso estético do casal de diretores também explora longamente um belo enquadramento do personagem de Paul Dano em primeiríssimo plano, fora da estrada, com os demais vistos ao fundo, de pé e ao lado da esdrúxula viatura estacionada na horizontal da rodovia, ao longe e no alto da cena.



Mas são mesmo os atores que sustentam os estereótipos que os personagens seriam sem interpretações tão disponíveis e mesmo virtuosísticas. Eles minimizam as fragilidades e indecisões do filme quando deixa de assumir uma crítica mais sarcástica, permanecendo em cima do muro da birutice divertida. Poder-se-ia até supor que os realizadores tentaram algo menos didático ou diretivo sobre o espectador, uma espécie de “distanciamento” respeitoso com a inteligência da platéia, que pode facilmente perceber os aspectos disfuncionais (para usar uma palavra da moda) de nossos tempos e grupos sociais. Mas a permanente oscilação do tom irônico que cede à bizarrice dos personagens como justificativa de tudo o que nos faz rir acaba fazendo do filme um sucesso certo de bilheteria como divertimento eficiente que é, mas deixa uma impressão de covardia em levar adiante suas observações sobre a loucura nossa de cada dia quando perseguimos ambições implantadas pela mídia e pela ideologia do sucesso como fonte única de felicidade.





# PEQUENA MISS SUNSHINE (LITTLE MISS SUNSHINE)

EUA, 2006

Direção: JONATHAN DAYTON, VALERIE FARIS

Roteiro: MICHAEL ARNDT

Fotografia: TIM SUHRSTEDT

Montagem: PAMELA MARTIN

Música: MYCHAEL DANNA, DEVOTCHKA

Elenco: ABIGAIL BRESLIN, GREG KINNEAR, PAUL DANO, ALAN ARKIN, TONI COLLETTE, STEVE CARELL

Duração: 101 minutos

Site oficial: clique aqui





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