Um antigo ditado dizia que “atrás de um grande homem há sempre uma grande mulher” - o que já foi contestado quanto ao advérbio “atrás”: por que não “na frente”? Mas o enredo do filme A Esposa parece tratar desta situação de modo terrivelmente concreto, acumulando clichês e “justificativas” inseridas no roteiro para tentar tornar convincente um caso de assédio moral e, principalmente, de dominação e submissão pervertidas através de uma cumplicidade doentia que não casa nada bem com a persona da atriz Glenn Close: ela faz o que pode para uma personagem que, do jeito que o filme a caracteriza, seria bastante inverossímil. Por exemplo, jamais aceitaria ir beber com o personagem de Christian Slater - que quer escrever uma biografia não-autorizada sobre Joe Castleman, escritor premiado com o Nobel, interpretado por Jonathan Pryce, e que é justamente o marido de Joan (G. Close) há décadas. Notaram os nomes? Joe e Joan. Mas a coisa piora.
Há o filho que persegue a mesma profissão do pai, carente de reasseguramento que o egocentrado e narcisista Joe não consegue oferecer. Há os flashbacks “explicativos” que tentam justificar o injustificável das atitudes da personagem da esposa numa pequena aparição de Elizabeth McGovern (no mais, tão gratuita quanto forçada). Por outro lado, nos flashbacks, temos Annie Starke fazendo a personagem de Glenn Close jovem, com traços faciais (nariz e boca) tão semelhantes aos da atriz mais velha que só poderia mesmo ser sua filha de fato na vida fora das telas – e está bem no papel.
Incapaz de seguir o caminho de deixar dúvidas (o que talvez fosse mais interessante), o enredo tenta explicar tudo bem explicadinho e ainda arruma uma espécie de “punição” de viés moralista para o destino de um personagem que seria o vilão da história.
A roteirista Jane Anderson tem um histórico de filmes centrados em mulheres (Colcha de retalhos) e dificuldades femininas (Desejo Proibido, sobre lésbicas). Embora baseado em livro de outra roteirista, o protesto feminino que A Esposa tenta levantar soa um grande equívoco inconvincente: depois de tantos anos de submissão, Joan vai demonstrar seu ressentimento todo de uma única vez, apenas para efeitos melodramáticos com os quais o roteiro pretende envolver o espectador menos atento às suas manipulações e truques.
A direção rotineira com trilha sonora onipresente apenas confirma a pretensão frustrada desse manifesto contra homens dominadores e mulheres que se deixaram dominar.
ATENÇÃO: SPOILER
1) Por coincidência o filme "Colette", lançado um pouco antes, aborda situação semelhante na vida real da escritora francesa com desenvolvimento completamente diverso, ainda que passado numa época bem anterior aos acontecimentos imaginados para "A Esposa"
2) O filme pode parecer inspirado na mentira de que a infeliz Zelda Fitzgerald seria a verdadeira potência criativa das obras de seu marido, F. Scott Fitzgerald. Por mais boa vontade que se tenha com "Save me the Waltz", o único romance de Zelda, ele é muito insatisfatório em relação às obras de seu marido, por mais que a obra dele se mostre com irregularidades: há resultados sublimes e outros (alguns contos) feitos apenas para ganhar algum dinheiro, sobreviver e pagar os sanatórios caríssimos da época em que Zelda esteve internada por grave doença psiquiátrica sem nenhum tratamento eficiente na época. Como em fake news, já li pessoas afirmando que Zelda era a verdadeira autora do melhor que Scott produziu. Ele pode até não ter sido simpático às ambições artísticas (limitadas) de sua mulher, mas não dá para acreditar em tal mitificação forçada. Tal como neste filme soa totalmente inconvincente a situação de ghost writer que é revelada no meio da narrativa.