Críticas


GREEN BOOK: O GUIA

De: PETER FARRELY
Com: VIGGO MORTERSEN, MAHERSHALA ALI, LINDA CARDELLINI
24.01.2019
Por Luiz Fernando Gallego
Há o clichê da convivência entre duas personalidades contrastantes, mas comunica bem o que eram as infames leis de segregação racial

Green Book: o Guia já chega às telas brasileiras após sofrer questionamentos por comparação com outros filmes da temporada dos prêmios americanos e que também abordam questões de racismo com mais contundência. Entretanto, visto por si mesmo, Green Book tem a vantagem de expor (e informar para uma leva de pessoas que talvez ignorem hoje em dia) como era a segregação racial nos Estados Unidos.

É verdade que, em seu formato geral, não passa de mais um dos inúmeros filmes em que dois personagens contrastantes descobrem-se mutuamente, cada um absorvendo valores do outro. Neste sentido, a crítica de que o produto não passa de um “feel good movie” procede, mas o que é pior, repetindo estereótipos contra uma educação e cultura refinadas - por um lado -, e por outro, clichês mais simpáticos e a favor do que seria a "espontaneidade" e valores do “homem comum” - ou, melhor dizendo: aquele sujeito rude, boa-praça, que "resolve" problemas (que, por vezes, ele mesmo criou) sem muitos escrúpulos, e que não teve acesso a uma formação cultural mais ampla a ponto de confundir “Orfeu” com "órfãos". Com este personagem os espectadores se identificariam mais – parece apostar o filme, menosprezando seu público? Ou quer fazer da incultura motivo de riso? Também há passagens de “entrosamento” por parte dos personagens que não se justificam, como jogar restos de comida pela janela do carro, na estrada - coisa que o pianista sofisticado acaba por fazer, ao apreciar os gordurosos fried chikens da baixa gastronomia americana que seu motorista e guarda-costas adora. Mas há outros momentos mais apreciáveis no desenvolvimento do relacionamento entre eles e que acabam importando mais, como quando o branco descendente de italianos se dá conta da crueldade e ignomínia da segregação racial no Sul americano em 1962.

Os atores Viggo Mortensen (quilos mais gordo) e Mahershala Ali contribuem bastante para os aspectos mais satisfatórios do enredo, dando a impressão de que curtiram fazer seus personagens e a história ficcionalizada do que teria sido de fato uma excursão ao Sul de Don Shirley (1927–2013), artista negro que pretendia um reconhecimento igualitário das pessoas de sua mesma cor de pele. Ele procurava ficar - por sua arte, talento e dignidade - acima das grotescas leis de segregação racial que, dentre outros absurdos chocantes, permitiam que uma pessoa “de cor” não pudesse usar os mesmos sanitários utilizados pelos brancos – e isto, por força de lei!

O personagem do motorista Tony Lips é construído de forma um tanto folclórica/estereotipada/clichê a partir do roteiro e Viggo Mortersen não consegue escapar de um certo tom caricatural. O lado esnobe do pianista também tem sua ênfase, mas como fica sugerido um aspecto defensivo, necessário para um negro conseguir se impor numa sociedade preconceituosa ao extremo, o lado exótico do pianista acaba mitigado - o que também se deve à sutileza com que Mahershala Ali equilibra contradições do tipo que interpreta.

Sem descambar demais em aspectos didáticos e “construtivos”, as situações cômicas (mesmo repetindo preconceitos culturais de vários tipos) por vezes funcionam, propiciando que o recado pretendido contra a segregação se comunique com a plateia, sem chegar a ser uma obra mais engajada. O que, aliás, pode ser bom: não fazer de um filme, um panfleto, ainda que a "mensagem" esteja do lado certo da ética humanista.

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