Uma espécie de subgênero está em voga no cinema brasileiro. É o filme sobre a ditadura militar. Há os documentários, que mergulham no centro da questão da militância, como No Olho do Furacão, de Toni Venturi, Caparaó, de Flávio Frederico, e o inédito Hércules 56, de Silvio Da-Rin, sobre a troca de presos políticos pela libertação do embaixador americano seqüestrado em 1969. De outro lado, há os filmes de “ficção”, geralmente protagonizados por um personagem à margem do olho do furacão. Seja a mãe burguesa que perde o filho para a repressão (Zuzu Angel), seja o militante que é obrigado a sair do front e se confinar num apartamento (Cabra-cega, Sonhos e Desejos). Seja ainda o desbundado que opta pela evasão (Eu me Lembro).
Cao Hamburger, diretor de O Ano em que meus Pais Saíram de Férias, pertence a uma geração que viveu o auge da ditadura num estado de relativa inconsciência, tentando decifrar os acontecimentos pela ótica infantil. Ele também foi goleiro na infância e seus pais, em algum momento, “saíram de férias”. Trinta e cinco anos depois, ele inseriu traços dessas memórias no seu segundo longa-metragem para cinema (depois de Castelo Rá-tim-bum – O Filme). De alguma maneira, é sua tentativa de “compreender” artisticamente o que tanto afetou sua família e o país.
Desde Pra Frente Brasil (1980), a euforia da Copa de 70 e o chumbo grosso da repressão no governo Médici se estabeleceram como pólos dramáticos no cinema brasileiro. Essa contradição, tantas vezes mencionada em curtas e longas-metragens, não ganha um tratamento exatamente novo em O Ano em que meus Pais Saíram de Férias. Os gols da Seleção, as ruas desertas e os militantes espancados se repetem como clichês, amenizados apenas pela abordagem oblíqua e “inocente”, fruto da visão de Mauro, um menino de 12 anos.
De início, o filme requer uma certa boa vontade do espectador para aceitar a história desse garoto deixado pelos pais em fuga à porta da casa do avô, que justamente acabara de falecer. Para que o resto do roteiro funcione, os pais largam o garoto do lado de fora sem sequer confirmar se ele entrou e foi recebido pelo avô. É preciso também alguma boa vontade para apreciar uma narrativa excessivamente bem-comportada e às vezes morosa. No entanto, as discretas virtudes do roteiro aos poucos vão se somando, na medida em que o filme explora a solidão de Mauro no bairro judeu de São Paulo e a tensão da espera por um retorno dos pais – em tudo análogos à solidão e à tensão dos goleiros que tanto impressionam o menino.
As interações de Mauro com as crianças vizinhas têm um caráter de descoberta do mundo, que aproximam a narrativa semi-autobiográfica do diretor a hits do filme de formação como Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios, de Emir Kusturica, e o argentino Valentin, de Alejandro Agresti. Hamburger, inclusive, não nega que quis fazer uma contraparte brasileira desse filme argentino e do chileno Machuca.
É bem verdade que não estamos diante de mais um “retrato da ditadura”, mas de uma crônica de perdas e ganhos na passagem da infância para a adolescência, um aprendizado do exílio. É assim que o filme acaba por se impor sobre suas próprias limitações, produzindo empatia e caminhando para um desfecho comovente.
# O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS
Brasil, 2006
Direção: CAO HAMBURGER
Roteiro: CLAUDIO GALPERIN, BRÁULIO MANTOVANI, ANNA MUYLAERT, CAO HAMBURGER
Produção: FABIANO GULLANE, CAIO GULLANE, CAO HAMBURGER
Fotografia: ADRIANO GOLDMAN
Montagem: DANIEL REZENDE
Música: BETO VILLARES
Direção de arte: CÁSSIO AMARANTE
Som direto: ROMEU QUINTO
Elenco: MICHEL JOELSAS, GERMANO HAIUT, DANIELA PIEPSZYK, SIMONE SPOLADORE, CAIO BLAT, LILIANA CASTRO, PAULO AUTRAN, EDUARDO MOREIRA
Duração: 110 minutos
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