Em O Grande Truque, Hugh Jackman interpreta Robert Angier, personagem cuja idéia fixa é descobrir o segredo de “O Homem Transportado”, número de mágica concebido por seu rival, Alfred Borden (Christian Bale, excelente). Cutter (Michael Caine), mentor e construtor de engenhocas teatrais, está certo de que Borden usa um sósia para, em questão de segundos, “desaparecer” e “reaparecer” em outro local distante no palco, mas Angier está fixado na idéia de que o “grande truque” do número é algo mais complexo – quem sabe, verdadeira magia e não apenas “mágica”?
Angier terá dois caminhos a seguir: encontrar alguém que tenha enormes semelhanças físicas com ele para ter também seu momento de “teletransporte” nos teatros; e/ou tentar descobrir nas ciências físicas emergentes do final do século XIX alguma novidade capaz de proporcionar um efeito de mágica (ou de verdadeira “magia” científica) que o faça triunfar sobre seu desafeto. Este namoro com a ciência (ou pseudo-ciência) se dá através do descobridor da corrente alternada, um inventor que também fazia demonstrações sensacionalistas em palcos, Nikola Tesla - aqui interpretado por David Bowie em mais uma encarnação camaleônica. O Tesla real tinha mesmo projetos de viagens no tempo e do tão almejado teletransporte.
Com a hipótese dos sósias, o filme remete ao tema do “duplo”, reincidente tanto na literatura clássica (William Wilson de Poe) como no cinema, desde os tempos do filme mudo até chegar a John Woo, por exemplo. De forma sutil, o tema se insinua já na relação quebrada entre os personagens principais. As trajetórias dos companheiros vão se transformar em paralelos simétricos, a vida de um sendo quase que o reflexo distorcido da vida do outro, tomada como referência.
Embora o diretor e roteirista Christopher Nolan (de Batman Begins, Insônia e Amnésia) demonstre piscar o olho fortemente no sentido de aludir a temas como o da identidade e do “duplo”, seu filme, tal como os personagens, também vai se perdendo em uma narrativa dark, prolixa e obsessiva, que acaba dando mais atenção aos truques de efeito na tentativa de envolver a platéia ao escamotear tantas cartas escondidas na manga – o que traz o risco de decepcionar mais do que surpreender quando surgem, finalmente, as revelações sobre os segredos de cada um.
Nolan perde a oportunidade de privilegiar um segundo plano de leitura além do espetacular, plano que está sempre presente de forma incipiente em seu roteiro, que deixa apenas esboçadas idéias interessantes, reduzindo seus personagens a estereótipos que vão pouco além da sede de vingança mútua de prejudicar o adversário à custa da própria felicidade. Desperdiça o que poderia ser um exemplo fantástico de desmesura e de fúria narcísica que, por ressentimento, se fixa tão intensamente na aniquilação do outro a ponto de malbaratar até mesmo a própria vida. Para os personagens, os truques importam mais do que a vida; e o diretor incorre na mesma fascinação.
Mais do que em filmes anteriores que realizou, os truques de Nolan – como o uso de narrativa acronológica que vai inserindo um flash-back dentro de outro e de ambientação lúgubre e insólita – vão se sobrepondo a qualquer outra dimensão mais conseqüente dos temas mais sugeridos do que desenvolvidos. Tal como seus personagens, Nolan deixa a impressão de um – ainda que aplicado, pouco mais do que - aprendiz de feiticeiro, ambicioso em metas nas quais se atrapalha e não atinge tudo o que parece pretender de modo satisfatório.
Se pensarmos no tema do “duplo”, uma curiosidade é que este filme é o “outro” de O Ilusionista, recentemente exibido no Festival do Rio e que está prestes a entrar em carreira comercial no Brasil. O tema de mágicos na virada do século passado parece estar em alta em Hollywood. Enquanto O Ilusionista se detém em uma trama de opereta que o deixa num patamar de base mais inconseqüente, é uma pena que este The Prestige não realize todos os potenciais que abandona – e, pior ainda, quando incorre na mesma desmesura dos personagens ao desafiar o espectador a olhar bem, olhar de perto – e mesmo assim não conseguir (ou não “querer”) perceber o que se esconde sob as aparências, sugerindo que a platéia gosta de ser enganada – o que pode ser verdade; só que precisa ser convencida de que foi bem iludida. O que não se dá satisfatoriamente em nenhuma destas duas incursões fílmicas no mundo da prestidigitação e do ilusionismo, hobbies e diletantismo de cineastas mais prestigiados como Orson Welles e Woody Allen, gente de quem Nolan se mostra distante, mesmo tendo seduzido muita gente ao brincar com a ordem da narrativa em Amnésia.
O GRANDE TRUQUE (THE PRESTIGE)
EUA, 2006
Direção: CHRISTOPHER NOLAN
Roteiro: CHRISTOPHER e JONATHAN NOLAN
Fotografia: WALLY PFISTER
Montagem: LEE SMITH
Música: DAVID JULYAN
Elenco: HUGH JACKMAN, CHRISTIAN BALE, MICHAEL CAINE, SCARLETT JOHANSSON, REBECCA HALL, DAVID BOWIE.
Duração: 128 minutos
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