Ainda que inspirado na vida dos pais do diretor Pawel Pawlikowski (do premiado “Ida”, de 2013), o roteiro de Guerra Fria passou por acréscimos ficcionais no que diz respeito à vida íntima e às personalidades do casal interpretado por Joanna Kulig e Tomasz Kot - que além de ótimos atores também têm os talentos musicais que os personagens demandam.
O diretor usa de novo expressiva fotografia em preto-e-branco de um dos seus cinegrafistas de “Ida”, Lukasz Zal, assim como repete o mesmo editor, Jaroslaw Kaminski, trocando os colaboradores do roteiro. E a despeito das qualidades que o filme apresenta, o enredo não tem a mesma integração que foi conseguida no filme anterior entre os destinos individuais e a situação política da época. Em “Ida”, nazismo, antissemitismo, comunismo e igreja católica moldavam fortemente a conduta da noviça, de sua tia e do rapaz músico. Aqui, por mais que a "guerra fria" no título atrapalhe enormemente a vida do casal Zula e Wiktor, muito dos percalços que eles sofrem são originados dos destemperos emocionais deles mesmos.
No início, até parece que a instituição religiosa que tanto marcava o destino da noviça estaria sendo trocada pela “religião” comunista - ou melhor, por sua institucionalização por parte do stalinismo. Mas a fixação de Wiktor em Zula, e até mesmo o abuso de álcool por parte dela, muitas vezes atrapalham a vida dos dois, independentemente de estarem do lado de lá da “cortina de ferro” da então URSS ou de estarem em Paris. Neste sentido, o título do filme acaba soando pretensioso e pode colaborar com um certo grau de frustração. Sem esta expectativa, é interessante, enxuto (menos de 90 minutos), apesar de algumas elipses perto do desfecho deixarem o espectador desejando saber um pouco mais do que teria acontecido aos personagens entre uma passagem de tempo e outra.
Um destaque na estrutura da narrativa é o uso das músicas, muitas vezes em estilos bem diferentes, assim como a filmagem e edição das cenas de danças folclóricas na parte inicial.