Um aspecto que chama a atenção no roteiro do mais recente filme do iraniano Asghar Farhadi (passado na Espanha) é que ele minimizou o “efeito-revelação” calcado em elipses - usado (e abusado) em vários de seus outros filmes lançados no Brasil. Mais do que elipses, havia omissão intencional de fatos para só revelá-los como “viradinha do roteiro” em outro momento posterior ou perto do final. Se no excelente A Separação (2011) isto funcionava de acordo com o que os personagens principais também desconheciam, em O Passado (2013) o recurso de tantas omissões posteriormente reveladas chegou a soar caricatural. Também em O Apartamento (2016) uma elipse era o gancho principal do filme.
Por outro lado, o título Todos já sabem chegou a ser ironizado quando o filme teve recepção aquém das expectativas em sua estreia mundial no Festival de Cannes 2018, pois um importante segredo da história desta vez seria previsível. Se é previsível ou não, isto vai depender de cada espectador, mas em relação ao recurso repetitivo da sonegação de fatos em seus outros filmes, a suposta “previsibilidade” pode até ser uma vantagem. Pois o que importa não é tanto a revelação de um segredo, mas as relações entre os vários personagens carregadas de ressentimentos por águas (nem tão) passadas. Para deixar vir à tona tamanhos ressentimentos de modo gradativo a excelência dos desempenhos dos atores é fundamental. Com mais oportunidades melodramáticas, Penélope Cruz tem aqui uma de suas melhores interpretações, enquanto de Javier Barden é exigida maior contenção, assim como de Ricardo Darín e Bárbara Lennie. E todos os coadjuvantes estão muito bem.
Após o acontecimento inesperado que dispara o drama em meio a uma até então alegre festa de casamento, o filme incorre no perigo do “whodunit?” que tantas vezes pode frustrar quando o mistério é resolvido, e as marchas e contra-marchas das suspeitas se alongam um pouco, ainda que mantendo um certo suspense e o interesse da plateia. Por outro lado, há o risco de deixar o público preso à resolução do mistério sem atentar para o mais importante que vai sendo revelado – aí sim – sobre os personagens, suas invejas, dissimulações e mágoas.
Cabe destacar o encantamento de Farhadi com a natureza do local onde foram feitas as locações (uma região ao norte de Madri) que, com ajuda do fotógrafo José Luís Alcaine (de tantos filmes de Almodóvar), é belamente retratada estabelecendo um interessante contraste com os interiores, sejam os da casa onde se passa boa parte da ação, seja a torre da igreja cujo mecanismo do relógio é destacado nos créditos iniciais e onde começam as revelações sobre o passado de alguns personagens. A questão do tempo que passa sem que fatos pretéritos passem também é o tema central aqui.
Surpreende-nos que os dois decepcionantes filmes anteriores do diretor tenham sido mais bem-recebidos do que este último que, em alguns aspectos, remete a Procurando Elly (2009) no qual o desaparecimento da personagem-título era o elemento que servia para demonstrar o infantilismo de uma sociedade iraniana baseada na mentira e hipocrisia. O que vai ser visto em Todos já sabem são os preconceitos (até de classe) e feridas antigas apenas aparentemente cicatrizadas.