Como em outros filmes de Nury Bilge Ceylan, especialmente nos mais recentes, os enquadramentos são belíssimos, as cores admiráveis e as interpretações dos atores, irretocáveis. Embora em menor parte do tempo, não faltam cenas de neve. Como no anterior, Sono de Inverno (Palma de Ouro em Cannes 2014), também há longos diálogos, desta vez, sempre entre o personagem central, o recém-graduado em magistério para ensino fundamental, Sinan (Dogul Demirkol) e outro personagem episódico. Apenas seus pais, Idris (Murat Cemcir) e Asuman (Bennu Yldrimilar) aparecerão mais frequentemente do que os outros que vão se sucedendo: o Prefeito da cidadezinha para onde Sinan retorna, insatisfeito, após se formar; um empreiteiro local bem-sucedido financeiramente; uma jovem da mesma idade que ele; o ex-namorado dela; seu avô paterno; os avós maternos; dois imãs; um escritor de sucesso etc
O filme se desenvolve a partir destes encontros sucessivos e que podem ter menor ou maior duração, por vezes soando excessiva, como na conversa com os dois religiosos – ainda que as (aproximadamente) três horas de duração, no todo, não pesem tanto quanto se poderia supor para um filme sem grandes momentos dramáticos.
Algumas coisas talvez tenham cor local menos apreensível para o espectador brasileiro. Por exemplo, parece não ser muito animador começar a dar aulas para crianças no que é chamado de “oriente” da Turquia; e fica sugerido que há uma leva de escritores turcos que trabalham com o que nos pareceu ser romances regionais, abordando o campo e sua gente.
Por outro lado, pode nos parecer familiar ouvir sobre professores que ganham muito pouco (e chega a ser dito que alguns acabam preferindo se engajar no exército ou na polícia para ganhar mais), assim como as atividades artísticas e/ou intelectuais podem render muito menos do que ganha o empresário que trabalha com areia sem nem ter concluído seus estudos (coisa de que ele se orgulha). Isto interessa para o fiapo de enredo que aborda as ambições do jovem professor desempregado, autor de um romance pronto sem conseguir publicá-lo. Diferentemente da possível onda de romances regionais, Sinan menospreza sua região e teria escrito um livro que define como “meta-romance de auto-ficção”, crítico e irônico sobre os tipos locais.
O pai, Idris, surge como um também professor, próximo da aposentadoria, mas sendo um fracassado patético que vive atrás de trocados para apostar e perder em corridas de cavalos. Sinan teme repetir o destino do pai que dá aulas nos dias úteis e trabalha a terra nos finais de semana; assim como teme ficar aprisionado à região que ele menospreza tanto quanto se ressente do comportamento do pai. A mãe, Asuman, oscila entre reclamações e tolerância para com o marido.
Em reação juvenil contra este mundo estagnado, Sinan entabula uma polêmica sarcástica com um escritor já famoso que encontra meio por acaso. A busca de financiamento para publicar seu livro parece ser o único objetivo com chances de escape do que ele considera uma mesmice insuportável.
Como em outros de seus filmes, Ceylan inclui nos diálogos frases de grandes autores, assinalando isto nos créditos finais: Tchekhov, Dostoiévski, Nietzsche, dentre os mais conhecidos. A crítica estrangeira que aprecia seus filmes frequentemente os considera “tchekovianos” (ou “bergmanianos”), mas tais comparações não os favorecem, ainda que haja um clima de desalento à la Tchekhov, tanto neste filme como no anterior: mas o resultado final, longe de ser desprezível, deixa a impressão de sofrer com mais pretensão do que de resolução (ou por não ter tantas coisas originais para dizer).
Na verdade, Ceylan parece querer abordar muitos assuntos: o lugar do artista no mundo, a religião e sua secularização, o envelhecimento, o lugar da mulher numa sociedade patriarcal etc etc, mas para o publico fora de seu país fica a impressão de que nenhum desses temas fica bem desenvolvido ou abordado com alguma originalidade nas ideias ou na forma cinematográfica de apresentá-los: é a questão de diálogos que se alongam um pouco além do necessário; já que há reiterações, as coisas ficam girando em círculo. Pode ser uma característica do personagem, um pretenso artista quanto jovem? Mesmo assim, o caminho escolhido fica como que eventualmente tendo "muito barulho" (ou palavras) por pouco.
Outra questão diz respeito a metáforas insistentes, tanto visuais como verbais. Neste caso, temos o próprio título do filme (que é também o do livro que Sinan quer publicar) e que também será explicado verbalmente. Há imagens repetidas de simbolismo óbvio em alguns casos (o poço que o pai cava para procurar água onde não deve haver - e que ganha mais significados no desfecho), ou de significado elíptico em outros (formigas sobre pessoas); ou ainda, ambíguos (cordas) e, com uma certa gratuidade, a aparição breve de um Cavalo de Troia num momento onírico. Consta que o “cavalo” foi usado no filme Troia (2004)
Ceylan filma em busca de imagens e cores de enorme beleza com ajuda de seu cinegrafista habitual, Gökhan Tiryaki, e tem as pretensões de esteta e de pensador, mas não chega a atingir a profundidade dos artistas que mais o teriam influenciado e que são lembrados pelos seus exegetas. A extensão de seus filmes recentes não deixa de ser uma desmesura, ainda que se deixem assistir com curiosidade e prazer visual.
Merece destaque o trio central de atores que fazem a mãe (numa chave mais sutil e interiorizada), o pai (que exige uma composição difícil entre aparência um tanto ingênua e uma atitude afetuosa) e o jovem pretenso escritor (personagem nem sempre agradável: o ator está muito bem e surpreendentemente tivemos a informação de que até então era ator de comédias stand-up).