Críticas


FILHOS DA ESPERANÇA

De: ALFONSO CUARÓN
Com: CLIVE OWEN, JULIANNE MOORE, MICHAEL CAINE
09.12.2006
Por Luiz Fernando Gallego
BELO COMO UM SIM NUMA SALA NEGATIVA

Nada, até agora, na carreira do diretor Alfonso Cuarón - nem mesmo o simpático (e um tanto supervalorizado) E Sua Mãe Também - poderia fazer supor o acerto do cineasta neste Filhos da Esperança, extraído de um romance de P. D. James. A escritora é conhecida por suas histórias policiais e teria feito uma única incursão no terreno da ficção-científica, seguindo a linha de prever uma distopia para o futuro da civilização, gênero que tem títulos famosos como 1984, o romance de George Orwell filmado mais de uma vez, Fahrenheit 451, de Ray Bradbury (que Truffaut levou às telas) e Metrópolis, de Fritz Lang.



Desta vez, o futuro sombrio (e próximo: 2027) é marcado pelo fato de que a raça humana perdeu a capacidade de perpetuar a espécie: as mulheres grávidas começaram a sofrer abortos e, em seguida, a não mais engravidar. Estaríamos, portanto, condenados à extinção. O último indivíduo nascido já tinha 18 anos quando foi assassinado por negar um pedido de autógrafo, preço da celebridade. Ainda era chamado de “bebê”... A notícia deixa as pessoas consternadas em todo o mundo.



Mas o mundo vai de mal a pior por outros tantos motivos: há uma falência dos sistemas políticos e das nações, com acentuação da barbárie, da xenofobia e do ódio aos imigrantes, com características próximas à do genocídio nazista: “campos de refugiados” também podem ser campos de extermínio.



A trama vai girar em torno de Theo (Clive Owen), que deverá escoltar uma jovem negra que está com uma surpreendente gravidez bem adiantada até um barco de nome óbvio: “Tomorrow”, um amanhã que pode devolver a esperança de sobrevivência dos humanos – caso não vá tudo pelos ares como conseqüência dos conflitos terroristas ou ligados à repressão discriminatória de minorias por parte das nações que mantiveram algum poder (de tintas ditatoriais). O quadro é muito pessimista. Impossível não associarmos cenas iniciais do filme com imagens já cotidianas em grandes cidades como, infelizmente, as do Brasil. Apenas uma questão de grau, talvez, ainda nos separe do que se vê na tela.



Algumas informações esparsas do passado do personagem principal colocam-no como um homem que já teve uma atividade política importante. Foi assim que conheceu Julian (Julianne Moore), com quem foi casado. Sua vida atual, no entanto, é pautada pela decepção e pela inação que ele se verá obrigado a abandonar a partir do pedido da ex-mulher relativo à moça grávida. Julian permanecera ativista em um grupo clandestino.



Mas o roteiro não se preocupa em explicar muitos detalhes da história. Por exemplo: por que uma gravidez foi adiante? O acaso - que freqüentemente negamos - provavelmente seria uma resposta, já que esse fator imponderável é mencionado para uma outra situação. E o que vai ser privilegiado é o caminho dos filmes de ação, mas sempre inserido na situação descrita como premissa.



Esta ação física, a fuga sob ameaças sucessivas, é mais detalhada. E cria tensão a partir de uma câmera ágil que não se furta ao uso de planos-seqüência, um deles antológico, com movimentos horizontais, diagonais e verticais comparáveis aos de Mikhail Kalatozov em Soy Cuba. A câmera segue Owen nervosamente por uma cena de batalha, entrando em um prédio, dobrando em corredores, indo e vindo - mas sem aqueles tremores de câmera (que, não obstante, está) na mão. Sem nausear o espectador, como foi o caso de muita gente que tentou ver Dançando no Escuro. A duração desta longa tomada, já perto do final do filme, não deve ser muito menor do que a das aberturas de O Jogador, de Altman, ou de A Marca da Maldade, de Orson Welles, sem que se trate de virtuosismo vazio. Há virtuosismo na realização, sim, mas pertinente ao que se quer - e como se quer - filmar certos eventos do roteiro. A forma é perfeitamente adequada ao que se quer mostrar.



A fotografia de Emmanuel Lubezki – que recebeu um dos dois prêmios para o filme no Festival de Veneza - é uma aliada e tanto na força visual e na narrativa, cabendo lembrar que este ano também vimos sua fotografia admirável de O Novo Mundo, de Terrence Malick. As cenas finais de Filhos da Esperança (que lembram um pouco Vergonha, de Ingmar Bergman), sem espaço para uma “beleza” convencional, são daquelas cuja paleta em tons de cinza, especialmente no enquadramento da última imagem, pode levar o espectador a dizer que “parece uma pintura”, “um quadro”.



Mas não deixa de haver, porque oportuno, um momento fugaz de encantamento melancólico quando, em um prédio que teria sido uma escola abandonada e semi-destruída, Clive Owen vê, pela janela, a mocinha grávida sentada em um balanço. Nada enfeitado, mas um rápido instante de contemplação de algo que já foi belo.



Nada parece supérfluo e, num certo sentido, o filme é bem enxuto, só exagerando na economia ao nos dar tão poucos momentos com Michael Caine e Julianne Moore. Uma pena, porque freqüentemente participam de filmes ruins, muito aquém de seus talentos. Os diálogos ágeis dela com Owen são daqueles que oferecem ao público o prazer de ver/ouvir atores que não precisam de muito tempo para “passar” seus personagens e a situação em que eles estão. Caine chega a ser famoso por filmar seguidamente “qualquer coisa” que se lhe ofereça. E Moore, desde que, em um mesmo ano, brilhou com suas criações para Longe do Paraíso e As Horas, não esteve em mais nenhum filme satisfatório, deixando saudades destas e de outras criações, como as de Boogie Nights, Magnólia ou Tio Vânia em Nova Iorque.



Ainda em sua opção “econômica” (nada a ver com os recursos certamente amplos da produção que foram muito bem utilizados), o filme procura driblar possíveis associações “religiosas”, como a da única grávida sobre a terra com nova “mãe de um Messias”. Mesmo assim, a expectativa do nascimento de uma criança depois de 18 anos de esterilidade, ainda que em meio a um esfacelamento acelerado do mundo, nos lembra versos de João Cabral em Morte e Vida Severina, louvando um nascimento, mesmo em condições adversas: “Belo porque com o novo, todo o velho contagia; / Belo porque corrompe, com sangue novo, a anemia, / Infecciona a miséria com vida nova e sadia; / Com oásis, o deserto; com ventos, a calmaria.”





# FILHOS DA ESPERANÇA (CHILDREN OF MEN)

EUA, Inglaterra, 2006

Direção: ALFONSO CUARÓN

Roteiro: ALFONSO CUARÓN, TIMOTHY J. SEXTON, DAVID ARATA, MARK FERGUS, HAWK OSTBY, a partir de um romance de P. D. JAMES

Fotografia: EMMANUEL LUBEZKI

Montagem: ALEX RODRÍGUEZ

Música: JOHN TAVENER

Elenco: CLIVE OWEN, JULIANNE MOORE, MICHAEL CAINE, CLAIRE-HOPE ASHITEY

Duração: 109 minutos

Site oficial: clique aquil

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário