Adrenalina não foi feito para ser levado a sério. Sua intenção seria a de “apenas divertir”, principalmente rapazes (é o oposto de um “filme de mulherzinha”, tendo doses e doses de escatologia e grossura testosterônica), ainda mais se acostumados à linguagem de videoclipes, MTV e filmes de ação descabelada. Ou melhor: neste caso, totalmente descerebrada.
Por outro lado, nada disso é feito sem ambição por parte dos diretores Mark Neveldine e Brian Taylor na primeira parceria em longa-metragem depois de diversos trabalhos em outras áreas como comerciais e efeitos especiais, dentre outras. Há uma pretensão de criatividade na rápida aceleração de cenas que poderiam lembrar Velocidade Máxima ou Corra, Lola, Corra, com amplo uso de truques: tela dividida, imagens insólitas e outros tantos recursos que o aproximam de um videogame em alta aceleração.
Infelizmente, fica uma impressão de salada do tipo “de tudo, um pouco” (ou muito) em que nada é exatamente original. Nem a mistura. E que já foi mais bem utilizada em outros filmes com o mesmo ator (Jason Statham). É só lembrar de Snatch – Porcos e Diamantes ou de Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, ambos dirigidos por Guy Ritchie com inegável inspiração tarantiniana.
Mas, especialmente neste Crank (título original), nada se aproxima dos resultados de boa fluência cinematográfica de Tarantino, até mesmo quando Quentin exagera em desmandos e pesa a mão como nos dois Kill Bill E embora esta nova tentativa na linha “vale-tudo” procure sempre o tom de gozação inverossímil (com o recado quase explícito “não me levem a sério”) não há exatamente nenhuma fala tão simples e tão cinicamente auto-referente como no diálogo do encontro final da “Noiva” (Uma Thurman) com Bill, quando ele, digamos, admite: “I... overreacted.” E depois de uma pequena pausa, ela pergunta separando bem as sílabas, entre perplexa e indignada: “You overreacted?”. È bem “menos mal” ser “over” com mais talento e experiência.
Não é que Statham, o ator mais bad boy dos filmes de ação anglo-americanos atuais, não seja um tanto hilário com sua “cara feia” de poucos amigos e nenhum sorriso. Ele ajuda um bocado a sustentar o filme com uma admirável “cara-de-pau”. Mas o humor chulo (como na cena de sexo em público) e a pretensa ação sem pausa nem descanso... cansa. E acaba por deixar o resultado final bem mais pesado do que pretenderiam os diretores-roteiristas.
A verdade é que o filme se arrasta um pouco ao atirar em tantas direções e em sua incessante procura de agitação justificada (?) pelo “gancho” estúpido do argumento (um tanto plagiado de Morto ao Chegar, seja na versão de 1988, seja no original D.O.A. de 1950): um homem se descobre envenenado com uma substância que, neste filme atual, exige que ele se mantenha em permanente descarga de adrenalina para não morrer de uma vez. Para isso, provoca brigas, cheira cocaína, faz sexo no meio da rua, persegue e é perseguido, rouba adrenalina de hospitais para se injetar, enfim, qualquer desmando, serve para não entrar em baixa rotação e apagar de vez.
Surpreendentemente - e talvez involuntariamente - esta história tola e este filme “sem-noção” acabem por retratar muito dos dias de hoje onde a procura por esportes radicais, de um lado, e, por outro, a busca de drogas estimulantes como ecstasy, crack, speed – além da já citada cocaína, denunciam uma devastadora sensação de vazio e inutilidade, descrença e desmotivação, características do homem contemporâneo descritas desde 1970 por Chistopher Lasch em seu ensaio A Cultura do Narcisismo. Na melhor das hipóteses, as pessoas desalentadas buscam soluções-tampão, elevando seus níveis circulantes de serotonina através dos modernos antidepressivos. Em outras pseudo-saídas, recorrem às drogas excitantes, ao consumismo desenfreado e à ânsia pelas emoções fáceis a nível sensorial - inclusive nas salas de cinema em filmes como este. Pena que nem sempre esses recursos funcionem – e outras vezes a emenda seja pior do que o mau soneto.
# ADRENALINA (CRANK)
EUA, 2006
Direção e Roteiro: MARK NEVEDINE e BRIAN TAYLOR
Fotografia: ADAM BIDDLE
Montagem: BRIAN BERDAN
Música: PAUL HASLINGER
Elenco: JASON STATHAM, AMY SMART, EFREN RAMIREZ, JOSE PABLO CANTILLO, CARLOS SANZ
Duração: 88 minutos
Site oficial: www.adrenalinafilme.com.br