Estreou no dia 11 de julho, sem qualquer alarde, como frequentemente estreiam as maiores pérolas, em especial os documentários, um dos filmes mais importantes do ano: Estou me guardando para quando o carnaval chegar, de Marcelo Gomes. O longa segue um formato bastante corrente na atualidade – o documentário-ensaio que parte das experiências do realizador para abordar temas mais amplos e socialmente relevantes –, mas prova que o modelo, que parecia um pouco desgastado e repetitivo nos últimos anos, não se esgotou de forma alguma. Retornando à cidade de Toritama, no interior de Pernambuco, Gomes encontra um povoado muito diferente da pasmaceira que ele conhecera menino, ao lado do pai caixeiro-viajante. Ali se instalou um polo de fabricação de jeans, ofício com o qual trabalha hoje, direta ou indiretamente, a grande maioria dos habitantes da cidade, com suas pequenas e mal ordenadas casas convertidas em oficinas no interior das quais as horas de labor se estendem madrugada adentro.
Esses operários, que não têm direitos trabalhistas e ganham apenas por produção, precisam sacrificar qualquer espaço de lazer para alcançarem uma renda digna, e vivem com a ilusão de estarem inseridos num sistema justo, em que “dependem apenas de seu próprio esforço”. Quando opta por deixar que eles falem sobre as “maravilhas” desse esquema sem confrontá-los diretamente, o diretor revela suas muitas incongruências com mais força do que se fizesse um filme panfletário ou de discurso muito marcado. Assim como eles, o espectador tem a possibilidade de paulatinamente ganhar consciência da crueldade de um sistema de trabalho que trata as pessoas como máquinas – e uma das sequências mais impactantes é aquela em que Gomes decupa os movimentos repetitivos das máquinas de costura e evidencia a angústia que repara neles (e aqui é fácil lembrar da crescente maquinização de Carlitos à fábrica de Tempos modernos).
Esse processo, bastante bem construído pelo roteiro, atinge seu ápice quando se descobre o significado do carnaval para o povo de Toritama. Massacrados pela falta de diversão e descanso, nesta época os moradores vendem o pouco que conquistaram (até mesmo eletrodomésticos básicos, como geladeira e fogão) para conseguirem viajar para o litoral e passar alguns dias de folga na praia. As cenas dessa preparação, um misto de euforia e surto coletivos, são tão curiosas quanto chocantes (se estivéssemos diante de uma ficção, diríamos inverossímeis). E, com o filme estreando em consonância temática perfeita com a situação atual do país (em que uma truculenta reforma da Previdência acaba de ser colocada em curso), nos resta perguntar: em quantos anos estaremos todos mergulhados num trabalho desumanizador, exaustivo e sem perspectivas, ou seja, nos guardando para quando o carnaval chegar?