Críticas


PÁSSAROS DE VERÃO

De: CIRO GUERRA e CRISTINA GALLEGO
Com: CARMIÑA MARTÍNEZ, JOSÉ ACOSTA, NATALIA REYES
22.08.2019
Por Luiz Fernando Gallego
O filme tem uma pegada épica ao retratar costumes em vias de apagamento e transcende o cinema de gênero sobre tráfico de drogas e violência .

Assinado por Ciro Guerra (de O Abraço da Serpente, 2015) e por sua produtora em filmes anteriores, Cristina Gallego (com quem ele estava casado até recentemente), o novo filme de Guerra é muito mais satisfatório do que o anterior, um tanto superestimado. Já Pássaros de Verão desponta como um dos melhores lançamentos do ano, reunindo inúmeras qualidades em setores como fotografia, direção de arte, interpretações etc - que colaboram com um roteiro muito bem desenvolvido em quatro “capítulos” e dirigido de modo exemplar.

Pode ser que a ideia dos responsáveis pelo filme tenha sido a de mostrar a deterioração dos costumes em clãs indígenas colombianos - já de algum modo aproximados de hábitos culturais estranhos às tradições dos clãs, mas ainda com muitas reservas no início da história. Os que convivem com os indígenas sem pertencerem às mesmas origens têm até uma denominação pejorativa na língua Wayúu: “alijunas”. O personagem principal, Rapayet (José Acosta em uma interpretação discreta que funciona muito bem) tem um amigo alijuna e, após uma dança ritual, a partir da qual ele pretende casar-se com a jovem Zaida, irá buscar, com este amigo, meios de cumprir com a exigência de um alentado dote em cabras, bois e colares para concretizar o casamento. O caminho será a compra e venda de marijuana - em torno do que a economia dos clãs crescerá exponencialmente. Em algum momento estarão residindo em casa de aspecto nouveau riche e veremos Zaida usando vestimentas tradicionais com maquiagem “ocidental” no lugar das anteriores pinturas rituais ou sem nenhum uso de cosméticos.

Mas entre os clãs também pode existir alguma rivalidade, e o mesmo elemento que traz riqueza poderá trazer estranhamento e afastamento entre as tribos. Produção e tráfico de maconha teriam sido estimulados pela demanda, inicialmente pontual, de jovens americanos estadunidenses em “missões de paz” financiadas por seu país, na verdade um ativismo contra o “risco comunista” na América Latina. Mas estamos em 1968 e os hábitos dos jovens não deixam de lado o uso de maconha. Rapidamente, a distribuição da droga vai assumir enormes proporções.

Foi dito acima que o filme talvez pretenda mostrar a deterioração dos costumes a partir do americano do Norte e do dinheiro que surge como elemento corruptor de uma cultura milenar. Mas o que fica evidente é também a inclinação do ser humano, em qualquer cultura, pela violência e destrutividade. A matriarca Úrsula (Carmiña Martínez em outra composição de destaque) que interpreta significados de sonhos e pretende ser a guardiã de hábitos tradicionais não deixa de usufruir e participar, direta ou indiretamente, da forma de enriquecer do seu clã.

Aproveitando elementos do cinema de gênero que aborda tráfico de drogas e violência, o filme tem uma pegada épica que transcende o formato básico ao retratar hábitos e costumes em vias de apagamento. Fica a questão: o quanto de "estímulo" o ser humano precisa para deixar aflorar sua destrutividade?

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