Críticas


ERA UMA VEZ EM…HOLLYWOOD

De: QUENTIN TARANTINO
Com: LEONARDO DICAPRIO, BRAD PITT, MARGOT ROBBIE
16.08.2019
Por Marcelo Janot
O triunfo da arte no mundo de Tarantino

A Hollywood que vemos em cena em “Era uma vez em...Hollywood” poderia se chamar “Tarantinoland”. Se a meca do cinema foi criada para vender sonhos e ilusões através de tantos “era uma vez...”, Tarantino sabe como ninguém lidar com esse aspecto mitológico. Ao longo da carreira ele colecionou citações e homenagens, fazendo com que a diegese extrapolasse o espaço narrativo dos filmes e se perpetuasse fora dali, no mundo de Tarantino.

O universo tarantinesco é o reino do faz de conta onde Hitler é morto dentro de um cinema (em “Bastardos Inglórios”) e onde um dos aspectos mais cruéis do star system, que é a descartabilidade, pode ser revertida. Ele é capaz de resgatar os personagens de “Os embalos de sábado à noite” e da série para TV “Kung Fu”, ressuscitando-os junto com seus intérpretes John Travolta e David Carradine, em referências metalinguísticas que enriquecem a experiência cinematográfica de “Pulp Fiction” e “Kill Bill”. Isto serve de chave para a compreensão plena do novo filme.

Se Los Angeles servia como um habitat natural para sua ficção no início da carreira, desta vez Tarantino não poderia estar mais à vontade, pois a junção das histórias fictícias do ator Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e do dublê Cliff Booth (Brad Pitt) com a da atriz Sharon Tate (Margot Robbie) lhe permite acrescentar ainda mais camadas de significados às reflexões sobre as engrenagens hollywoodianas.

Como o assassinato de Sharon Tate por seguidores da seita de Charles Manson em 1969 é um caso mundialmente conhecido, o espectador imagina que em algum momento a trajetória de Dalton e Booth deve se cruzar com a de Tate, que durante boa parte do filme parece um elemento figurativo. E aí cabe um parênteses para esclarecer às pessoas que embarcam na onda linchadora dizendo que Tarantino seria um cineasta machista.

No filme, Sharon Tate é uma personagem figurativa porque a verdadeira Sharon Tate, embora pudesse estar a caminho do estrelato, ainda era uma coadjuvante em Hollywood – e os protagonistas do filme são os fictícios Dalton e Booth, uma opção do autor-roteirista. Dos nove filmes de Quentin Tarantino, "Jackie Brown", os dois volumes de "Kill Bill" e "À Prova de Morte" são protagonizados por mulheres empoderadas. Levando em consideração que no universo social de época retratado em "Bastardos Inglórios", "Django Livre" e "Os Oito Odiados" a mulher historicamente tinha um protagonismo menor (e ainda assim a Shoshanna de “Bastardos” tem papel de destaque), a proporção de protagonistas femininas em sua obra é muito maior que a média de cineastas. Portanto, chamá-lo de machista por esse aspecto é um tremendo equívoco - ou má fé.

Voltando ao filme: a tensão pela expectativa do assassinato de Sharon Tate só surge para valer no fim do filme, e até lá Tarantino se permite fazer o que mais gosta, que é falar de cinema. São comentários que não necessariamente servem para impulsionar a trama. Uns têm a função apenas de divertir, como na hilária cena do encontro de Booth com Bruce Lee; em outros, provocar reflexão, como a crise de insegurança de Dalton, em que o assunto da descartabilidade volta a ser lembrado. Isso pode incomodar quem espera uma trama cheia de reviravoltas, algo que o diretor sempre fez tão bem.

Como em “Os oito odiados”, Tarantino usa a narração em off, aparentemente desnecessária, para reforçar a ideia de que há um autor externo manipulando a narrativa ficcional. Com esse salvo conduto em mãos, ele presta o mais belo tributo que Sharon Tate poderia receber. É através da linda cena em que ela vai ao cinema, e a Sharon Tate da ficção assiste à Sharon Tate verdadeira contracenando com Dean Martin em “Arma secreta contra Matt Helm”, vibrando com a reação da plateia à sua própria atuação cômica, que percebemos o quão promissora parecia a vida e a carreira da talentosa atriz. Se o acaso pode ser cruel, ele não impede que a arte triunfe à sua maneira, ou melhor, à maneira de Tarantino, algo que é reforçado pelo final surpreendente e antológico.

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Outros comentários
    4931
  • Allard Monteiro do Amaral
    16.09.2019 às 06:14

    O nono flime de Tarantino é uma declaração de amor ao cinema, genuíno, poderoso e eloquente. O flime conta a história de Rick Dalton (Leonardo Di Caprio), ator inseguro quanto aos seus papeis e seu inseparável amigo o dublê Cliff Booth (Brad Pitt), personagens idealizados por Tarantino. A história se mistura a de Sharon Tate mulher de Roman Polanski, grávida de oito meses e outros seus amigos que foram assassinados por uma seita liderada por Charles Manson. Os acontecimentos se misturam e nos mostra um final alternativo com uma coerencia fenomenal Atenção especial para a cena com uma menina de oito anos e Rick Dalton, onde ternura e troca de conhecimentos se mesclam. Apesar de algumas cenas extremamente violentas, o flime é inesquacível.