Críticas


IT – CAPÍTULO 2

De: ANDY MUSCHIETTI
Com: JESSSICA CHASTAIN, JAMES MACAVOY, ISAIAH MUSTAFA
11.09.2019
Por Clara Ferrer
Vai pouco além do susto e do humor

Lançado em 2017, o primeiro capítulo de It, adaptação cinematográfica do romance homônimo de Stephen King, foi uma bela surpresa. Com uma trama enraizada no desenvolvimento de personagens cativantes e na força das relações que eles tecem entre si para sobreviver num mundo hostil, a obra garante que todo o horror de seu inspiradíssimo universo imagético vá muito além do susto. It: A Coisa é um filme de monstro profundamente humano, usando a aterrorizante figura de Pennywise (Bill Skarsgård) para contar uma história atemporal sobre identidade, conexão e medo.

O filme, segundo longa-metragem do diretor Andy Muschietti, está longe de ser perfeito. Nesse sentido, é impossível não apontar a despropositada hipersexualização da única protagonista feminina do filme, Beverly Marsh (Sophia Lillis), cuja narrativa é desnecessariamente ancorada no olhar e no desejo masculino sobre o seu corpo pubescente (cuja violência e insistência a câmera escolhe inexplicavelmente compartilhar), e a imperdoável relegação do único menino negro do grupo dos jovens heróis, Mike Hanlon (Chosen Jacobs), a fornecedor de força física e representante da história amaldiçoada de Derry, mais mecanismo narrativo que personagem. Apesar dos erros, no entanto, a obra acerta e cativa ao investir na delicadeza para provocar medo, persistindo em nós muito depois das suas duas horas de duração como apenas as melhores assombrações conseguem fazer.

No novo capítulo da saga, com orçamento duplicado, maior participação criativa de Stephen King e uma forte pressão para repetir o sucesso anterior, Muschietti optou por uma nova fórmula, inteiramente à base de sustos, piadas e efeitos, num ritmo frenético que oferece pouco espaço ao desenvolvimento da tensão indispensável ao suspense e ao medo. O filme se mostra confuso e desajeitado desde os seus primeiros momentos, nos quais se sucedem, rapidamente, um flashback, uma cena assinalando o retorno de Pennywise com requintes de brutalidade e uma montagem revelando, com o brilho superficial das capas de revista, como estão vivendo os protagonistas do capítulo anterior, todos adultos e quase comicamente bem-sucedidos – mais uma vez, a triste exceção está em Beverly Marsh (Jessica Chastain), ainda inexplicavelmente aprisionada pela violência do desejo masculino, e Mike Hanlon (Isaiah Mustafa), a quem foi negada a mais pálida chance de desenvolver uma vida própria.

No segundo ato, a reunião do antigo grupo de amigos não oferece muitas chances de redenção. Apesar das boas performances de Chastain, James McAvoy (Bill Denbrough) e James Ransone (Eddie Kaspbrak), que evocam o espírito da juventude de seus personagens com inegável precisão, e de todo o carisma de Bill Hader (Richie Tozier), que faz um excelente trabalho com as incessantes piadas no roteiro, os protagonistas adultos de It nunca conseguem criar vida, pois a verdade é que o filme não está interessado neles. O problema fica especialmente óbvio quando a trama os separa, lançando-os numa suposta busca individual pelos fantasmas de seus passados que oferece muitos sustos e imagens perturbadoras, mas nada diz sobre quem eles eram e se tornaram - sobre como esse grupo de adultos extraordinariamente bem sucedidos na superfície permanecem incapazes de superar um passado que, ironicamente, esqueceram por completo - e os reúne novamente, buscando forjar afetos e relações que simplesmente não estão mais lá.

A fragilidade nas relações propostas pela trama de It: Capítulo 2 se estende ainda para os laços dos protagonistas com o mundo exterior - o retorno do inimigo de infância Henry Bowers (Teach Grant) é uma ameaça risivelmente inexpressiva, a cidade de Derry parece bizarramente indiferente à ressurgência do ciclo de horror que marca a sua história e sabe-se lá que tipo de vida adulta os protagonistas possuem, considerando a sua impressionante capacidade de suspender suas vidas profissionais e pessoais para lançar-se numa aventura mortal sem sequer um telefonema para seus cônjuges. Uma fragilidade que prejudica tragicamente a catarse oferecida pelo ato final do filme - pois de que importam o sacrifício ou a sobrevivência de personagens com quem não temos conexão alguma?

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