Críticas


CONQUISTA DA HONRA, A

De: CLINT EASTWOOD
Com: RYAN PHILLIPPE, JESSE BRADFORD, ADAM BEACH, BARRY PEPPER
06.02.2007
Por Marcelo Janot
VIDAS FICTÍCIAS, MORTES REAIS

Depois de se assistir aos dois novos filmes de Clint Eastwod, fica claro porque o mais bem-sucedido deles, junto aos votantes do Oscar, foi Cartas de Iwo Jima, indicado nas categorias de Melhor Filme, Direção, Roteiro e Edição de Som, enquanto A Conquista da Honra só concorre em Som e Edição de Som. Cartas de Iwo Jima mostra a batalha sob o ponto de vista dos japoneses, mas enaltece justamente os personagens que tiveram seu caráter moldado pelo contato com a cultura americana, com formato próximo do filme de guerra clássico. A Conquista da Honra, por outro lado, é muito mais complexo e incômodo, sobretudo para uma indústria de mitos como Hollywood. É nele que, ao lado de um impecável registro do horror da guerra, Eastwood encontra terreno para discutir valores que formaram uma sociedade com tanta necessidade de fabricar, consumir e descartar heróis.



Ao oferecer uma visão cáustica e poética da Segunda Guerra, o diretor Samuel Fuller definiu seu magistral Agonia e Glória (The Big Red One) como um filme de “vidas fictícias baseadas em mortes reais”. Clint Eastwood poderia dizer o mesmo de A Conquista da Honra. Afinal, o mito dos soldados-heróis, forjado para subsidiar a participação americana com a venda de bônus de guerra, às custas dos que morreram durante a batalha de Iwo Jima, fez com que três sobreviventes tivessem suas vidas inseridas num contexto, um tanto perverso, de ficção.



O melhor filme de guerra dos últimos anos não é sobre uma guerra, mas sobre uma foto. Ao construir A Conquista da Honra em torno do que representou o registro histórico dos soldados erguendo a bandeira americana, Eastwood faz uma magnífica obra metafísica. Dialoga com A Câmara Clara de Roland Barthes ao mostrar como a simples captação de uma imagem, em uma fração de segundo, dilata o tempo, reordena as ações e oferece novos sentidos à vida.



Não é por acaso que o roteiro intercala os três tempos em que se desenrola o filme. O estado de confusão mental que os três “heróis” enfrentam faz com que o flashback de suas memórias da batalha irrompa a todo instante, mesmo que por algum motivo banal. No momento seguinte, a ação pode dar outro salto, desta vez para o presente, onde o filho de um deles resgata a história da foto após a morte do pai. Nada muito difícil de ser assimilado por qualquer espectador.



O diretor atinge sua melhor forma aos 76 anos. As seqüências de batalha são impressionantes e não devem nada ao apuro técnico de O Resgate do Soldado Ryan. Mas é o circo montado nos EUA em torno dos soldados que tem o impacto de uma granada explodindo junto ao peito. O drama do índio Ira Hayes retoma o histórico de ingratidão e opressão dos americanos em relação aos seus primeiros habitantes. E deixa a impressão de que Eastwood só fez Cartas de Iwo Jima, com todos aqueles clichês e concessões, para reforçar ainda mais a certeza de que seu grande filme de guerra é mesmo A Conquista da Honra.



PS. Um comentário que não tem a ver com a análise crítica do filme, mas que, de tão intrigante, merece atenção. Tanto no release distribuído à imprensa quanto no site oficial do filme ( www.aconquistadahonra.com.br), em nenhum momento é mencionado o fato de que Ira Hayes era descendente de índios. A palavra “índio” sequer aparece (no site oficial americano também não encontrei nada). Levando em consideração que essa característica do personagem é primordial no desenvolvimento do conflito, e de extrema importância no roteiro, é no mínimo estranho que isso não seja mencionado em páginas e páginas de informações sobre o filme.



Leia a crítica de Cartas de Iwo JIma



# A CONQUISTA DA HONRA (FLAGS OF OUR FATHERS)

EUA, 2006

Direção: CLINT EASTWOOD

Roteiro: WILLIAM BROYLES JR., PAUL HAGGIS

Produção: CLINT EASTWOOD, STEVEN SPIELBERG, ROBERT LORENZ

Fotografia: TOM STERN

Edição: JOEL COX

Música: CLINT EASTWOOD

Elenco: RYAN PHILLIPPE, JESSE BRADFORD, ADAM BEACH, BARRY PEPPER, JAMIE BELL

Duração: 132 min.

site: www.aconquistadahonra.com.br

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário