Críticas


PECADOS ÍNTIMOS

De: TODD FIELD
Com: KATE WINSLET, PATRICK WILSON, JENNIFER CONNELLY
12.02.2007
Por Luiz Fernando Gallego
CARICATURAS

O título original de Pecados Íntimos é Little Children, o mesmo do romance de Tom Perrotta - que também escreveu o roteiro a quatro mãos com o diretor Todd Field. O livro foi lançado no Brasil em 2005 como Criancinhas. Mas nada disso se refere aos filhinhos dos personagens principais: livro e filme se referem aos pais dos pequeninos, adultos emocionalmente infantis.



De um modo geral, Pecados Íntimos trata de situações semelhantes àquelas retratadas em muitos filmes americanos que exploraram o cenário suburbia do interior dos EUA. Podemos recordar vários dentre os mais antigos que frequentemente eram extraídos de textos de William Inge - como Bus Riley´s Back in Town, de Harvey Hart, 1965, ou Férias de Amor (mais conhecido como Picnic), de Joshua Logan, 1955. Fora do ciclo Inge, uma lembrança mais recente é Beleza Americana, de Sam Mendes, 1999, que conseguia um equilíbrio mais eficiente através do humor debochado para com seus personagens.



As premissas de Little Children não seriam desinteressantes. Em um breve índice, encontramos: cidadezinha do interior dos Estados Unidos com sonhos e frustrações suburbanos; maridos mais interessados em sites pornôs do que em suas esposas; esposas mais interessadas na vida profissional do que na atividade sexual com o cônjuge, evitada pela permissão de que filhos pequenos durmam na cama do casal; maridos desempregados cuidando da prole e despertando a atenção (e libido) de mulheres medíocres e fofoqueiras em piscinas públicas ou parques infantis, etc.



Raramente estas situações de base passam por alguma evolução, o que nem seria um problema se considerarmos a proposta de demonstrar inércia, acomodação e falta de perspectiva em vidas medíocres de pessoas imaturas. A questão é que, desconhecendo o livro de quase 400 páginas, ficamos curiosos de saber como seriam esses personagens no romance original, já que no filme a impressão que fica é a de um grupo quase “lesado” ou “sem-noção”, com ações repetitivas que redundam em caricaturas estereotipadas e que não conseguem nos comover muito quando fazem patéticas tentativas de mudar algo em suas vidinhas.



É surpreendente a enxurrada de premiações e indicações a prêmios que o filme vem recebendo na categoria bem americana de “roteiro adaptado”. Teríamos que questionar a proposta do diretor, que teria falhado na mescla de humor, crítica e drama? Mas se o próprio romancista participou da adaptação com o cineasta, fica difícil passar mais adiante a responsabilidade pelo que chegou tão manietado às telas. E certamente a culpa das tolices dos personagens não cabe aos atores.



Kate Winslet parece dedicada em sua entrega à personagem principal - e mostra-se tão esforçada que chega a dar alguma verossimilhança a sua Sarah, uma moça com mestrado em literatura, pretensamente mais observadora e crítica do que suas vizinhas suburbanas, mas que se revela capaz de atitudes muito tolas que extrapolam a desculpa da “ingenuidade” ou da inexperiência, mesmo com álibi de paixão & tesão extra-conjugal em alta voltagem.



Patrick Wilson, que esteve excelente no lamentável Meninamá.com, também consegue algum convencimento como Brad, um maridão-bonitão-crianção que nunca é aprovado na Ordem dos Advogados de lá. Mas as atitudes de seu personagem tornam-se muito difíceis de serem aceitas como minimamente plausíveis - a não ser que, além de mau estudante, o personagem seja limítrofe em matéria de inteligência propriamente dita. Sentir-se valorizado por jogar ao lado de brutamontes em um time local de rugby pode fazer sentido para um looser dentro dos ideais machistas americanos; mas os episódios adolescentes com skate vão além do razoável – a não ser como caricatura bem rasa.



Jennifer Connelly enfrenta uma esposa unidimensional demais e nem mesmo o trabalho que a personagem faz como documentarista, enfocando dramas familiares (sem que ela perceba logo o que está se passando em sua própria família) é suficientemente desenvolvido – além de soar bem inconvincente e pouco sutil - aliás, como tudo neste filme. O marido de Sarah também não ultrapassa o anedótico do quarentão fissurado em masturbação estimulada pela internet. A intenção de misturar humor & drama e o tom tragicômico raramente foi encontrado.



Um outro núcleo de moradores da região vai ter quase a mesma importância do que o par formado por Sarah e Brad: um exibicionista pedófilo, sua mãe idosa e um ex-policial que banca o “protetor” da moral e bons costumes ao perseguir insistentemente o pervertido em quem encontrou um bode expiatório para projetar seus fantasmas. A dupla mãe-e-filho tarado parece estar fazendo vestibular para Norman & Sra. Bates, sendo caracterizada (melhor dizendo e repetindo o inevitável termo: caricaturada) dentro da mais rala “psicologia em mesa de bar” que “explica” mãe-jocasta redundando em filho-doidinho. Jackie Earle Haley é outro que se esforça e consegue dar alguma humanidade ao seu pedófilo mais discriminado do que leproso em Ben-Hur . Os melhores momentos do filme se devem a ele e a algumas situações de seu personagem.



No final das contas, o filme acaba por lembrar outras tantas realizações que tentam “denunciar” e ser mais realistas do que o mito (ainda sobrevive?) da felicidade puritana no american way of life. Muitos desses filmes foram extraídos de originais de Tennessee Williams e - principalmente – do já citado William Inge. Quando um cineasta como Elia Kazan filmava Boneca de Carne, com enredo do primeiro, ouClamor do Sexo, extraído de Inge, os estereótipos eram atenuados, a competência cinematográfica de contar uma história em imagens era suficiente para dispensar voz de narrador em off e a coisa podia funcionar, por vezes, até melhor do que na obra de origem. Mas quando esses escritores chegavam às telas pelas mãos de diretores inexpressivos (como o desconhecido H. Hart citado no início), o resultado era lamentavelmente esquemático, lembrando o mesmo sensacionalismo barato que durante muito tempo fez da obra de Nelson Rodrigues em nosso meio, um recurso banal de filmes sem categoria em busca de escândalo. Como foi ficando cada vez mais difícil escandalizar, o que resta além de um esquematismo empobrecido e empobrecedor?



No entanto, é justo ressaltar que perto do desfecho (que não será mencionado) de Pecados Íntimos, o entrecruzamento dos personagens e núcleos consegue algum pathos que, na verdade, tentou se insinuar durante todo o filme a partir das premissas mencionadas inicialmente, só que desenvolvidas de modo insatisfatório pela redução dos personagens e situações a um esboço de marionetes. A música de Thomas Newman (o mesmo da série de TV a cabo A Sete Palmos) também merece ser lembrada na lista de acertos.



# PECADOS INTIMOS (LITTLE CHILDREN)

EUA, 2006

Direção: TODD FIELD

Roteiro: TOM PERROTTA e TODD FIELD

Fotografia: ANTONIO CALVACHE

Montagem: LEO TROMBETTA

Música: THOMAS NEWMAN

Elenco: KATE WINSLET, PATRICK WILSON, JENNIFER CONNELLY, GREGG EDELMASN, NOAH EMMERLICH, JACKIE EARLE HALEY, PHYLLIS SOMERVILLE.

Duração: 130 minutos

Site oficial: www.littlechildrenmovie.com

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