Críticas


DOSSIÊ WOODY ALLEN: MATCH POINT – PONTO FINAL – (2005)

25.01.2020
Por Susana Schild
Lições de cinismo em crime sem castigo

No longínquo ano de 2005, Woody Allen trocava sua gloriosa Manhattan para realizar o primeiro filme inteiramente em terra estrangeira: Match Point, seu 34º longa. Quase 15 anos e muitos filmes e périplos depois, não há como negar: aquele Match Point foi e continua sendo uma das melhores obras da trajetória ímpar do cineasta mais autoral e pessoal do cinema contemporâneo. Sempre às voltas com problemas afetivos, encontros e decepções amorosas, questões existenciais, Allen também tem como marca elegância estética, grandes atuações e um equilíbrio raro entre seriedade e leveza, sem falar na trilha sonora, que por si só vale uma antologia. Um dos segredos de Woody Allen, que também tem na infidelidade um de seus temas mais cativos: mudar permanecendo o mesmo.

Nesse contexto, quais os grandes trunfos de Match Point? Entre tantas interpretações possíveis, vejo o filme como um manual ácido do que costumava se chamar ‘moral e bons costumes’ , mas desta vez aplicado ao cenário contemporâneo, ou seja, uma Londres cosmopolita e próspera, povoada com representantes bem nascidos fora alguns arrivistas ávidos pelo básico: ou seja, pertencer ao clube dos privilegiados.

Com uma trama plena de turning points, alguns temas me parecem definir bem o filme – e seu tempo.

Crime sem castigo – Livremente inspirado no clássico de Dostoievsky publicado em 1866, Cris Wilton (Jonathan Rhys), de berço modesto, percorre um sinuoso caminho para chegar onde quer – ou seja, ao mundo dos favorecidos. Envolve-se com uma família rica, namora a herdeira Chloe (Emily Mortimer), mas apaixona-se pela cunhada, uma americana no ninho, a mega sedutora Nola Rice (Scarlett Johansson). Chris vai às últimas consequências para conseguir o que quer, o que não lhe impede de matar sua grande paixão, Nola, mas diferente de Raskolnikof, o rapaz não se entrega corroído pela culpa. Não, culpa é um sentimento prá lá de antigo. No século XXI, impera a lei do cinismo e a certeza da impunidade para os privilegiados. Afinal, como sugere a metáfora do título referente ao jogo de tênis – tudo é uma questão de sorte – depende apenas de que lado cai a bola. E ser da elite é uma grande sorte.

Culto às aparências – Clubes seletos, noites em óperas, galerias de artes, casas de campo gloriosas, apartamentos panorâmicos são alguns dos cenários tão normais para os que neles nasceram quanto sonhos de consumo e de vida para os excluídos. Com muita classe e elegância, Woody Allen insere os personagens em ambientes rigorosamente irresistíveis.

Por que não querer pertencer a eles? Não chega a ser um crime, não é mesmo? E se as pessoas cultivarem a arte da sedução com algum afinco e tiverem jeito para a coisa, why not? Afinal, não se fala de essência, mas de aparência e, acima de tudo, muita lábia e poder de sedução.

Lições de cinismo – Como pano de fundo, poderíamos ter uma forte história de amor e transgressão, envolvendo, como já se disse, um noivo apaixonado pela cunhada. Chris parece apaixonado sim, mas antes de Nola, era apaixonado por si mesmo. Imbatível nesse quesito, não havia lei moral, noções de ética ou doses mínimas de escrúpulos para abalar o amor próprio do moço e sua ambição cega, sobretudo com a certeza da impunidade.

Talvez o rapaz pudesse sentir uma micro dor na consciência, uma tristeza tênue ou receber a visita de alguns fantasma esporádico, mas nada que provocasse arrependimento pela luta por um lugar ao sol, título aliás, de obra com tema semelhante. Entre o certo e o errado, Chris parece não ter dúvidas: certo é o que ele quer; errado é ser privado de seus desejos.”. Afinal, tudo é uma questão de sorte e não ser pego. O resto é literatura – ou cinema.



 

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