Críticas


FACES

De: JOHN CASSAVETES
Com: JOHN MARLEY, LYNN CARLIN, GENA ROWLANDS, SEYMOUR CASSEL
10.05.2007
Por Marcelo Janot
A VINGANÇA DE CASSAVETES

Espectadores saindo no meio da sessão é uma cena que se repete algumas vezes nos cinemas que estão exibindo os filmes de John Cassavetes. Para qualquer outro cineasta, isso poderia significar fracasso, motivo de depressão ou coisa parecida. Mas entretenimento é uma palavra que não existia no dicionário de Cassavetes. Ele não fazia filmes para divertir as pessoas, mas para incomodá-las. Achava que desafiando a platéia ela poderia sair de um estado de passividade para compreender não só o que estava vendo na tela, como o mundo ao seu redor. Quem é capaz de aceitar o desafio se sente recompensado.



No documentário A Constant Forge, Cassavetes contou que ficava frustrado quando, na pré-estréia de algum filme seu, percebia que a platéia parecia estar se divertindo: “Quero mexer com as pessoas, e não fazê-las se sentirem felizes ou aliviadas”. Na verdade, ele queria fasciná-las com seu jeito único e sincero de retratar sentimentos como frustração, medo e, sobretudo, amor. Dá pra imaginar como era difícil, numa sociedade como a americana, querer que o público se defrontasse com os seus fracassos. E na meca do entretenimento, fazer cinema à sua maneira, com independência e liberdade criativa, só mesmo filmando na própria casa, nas horas vagas, sem dinheiro e com uma equipe de amigos, como fazia Cassavetes.



Após estrear como diretor de forma promissora em 1959 com Sombras, os grandes estúdios acreditavam que poderiam usar, da sua maneira, o talento contido naquela obra ousada e experimental. Cassavetes foi convidado então a realizar dois filmes em Hollywood: no primeiro, A Canção da Esperança (Too Late Blues), ele ainda conseguiu imprimir certa autoralidade, mas no segundo, Minha Esperança é Você (A Child Is Waiting), se desentendeu com o produtor Stanley Kramer a tal ponto de solicitar que seu nome fosse retirado dos créditos. Tudo porque Cassavetes queria evitar, ao ambientar a história numa escola de crianças com deficiência mental, que estas fossem vistas com piedade, preferindo integrá-las à sociedade. Kramer discordou e o filme foi finalizado à revelia do diretor.



Desiludido com Hollywood, Cassavetes concentrou suas forças em Faces, que soa como vingança contra aqueles que ousaram podar sua criatividade. É um desabafo perturbador sobre uma sociedade doente, refletida na falência moral e afetiva do casamento de um executivo e sua mulher mais jovem. O executivo em questão, Richard Forst (John Marley) é um investidor de cinema. Na primeira cena, uma reunião para discutir um novo projeto, sugere-se que este seja “uma versão comercial de La Doce Vita”. Mais irônico, impossível.



O cenário é devastador. Em um universo de cinismo, humilhação, sofrimento e bebedeiras constantes, o comportamento de Richard e seus semelhantes varia entre a arrogância e a estupidez. Sempre patéticos. Incomoda muito, principalmente pela forma como Cassavetes os mostra: em seqüências longuíssimas, com personagens que falam sem parar, mas mal conseguem se comunicar. São diálogos ácidos, em que o dinheiro acaba sendo o assunto preferido na hora de impor hierarquias, sem, no entanto, impedir a derrocada moral daquela gente. Uma garota de programa (Gena Rowlands) e um gigolô (Seymour Cassel), não por acaso, são os únicos que aparentam alguma solidez.



Se Cassavetes revela desprezo pelos poderosos, desperta piedade em relação às mulheres destes. A primorosa cena em que o gigolô entretém quatro delas mostra o quão debilitada emocionalmente essas senhoras são. Retratar a falsa felicidade que as aparências não conseguem esconder foi a forma que o diretor encontrou para mostrar que, no cinema e no amor, o sucesso não vem embutido em fórmulas.



# FACES

EUA, 1968

Direção e Roteiro: JOHN CASSAVETES

Produção: MAURICE MCENDREE e JOHN CASSAVETES

Fotografia: MAURICE MCENDREE e AL RUBAN

Edição: MAURICE MCENDREE, AL RUBAN E JOHN CASSAVETES

Elenco: JOHN MARLEY, LYNN CARLIN, GENA ROWLANDS, SEYMOUR CASSEL, FRED DRAPER, VAL AVERY

Duração: 126 min.

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