Texto publicado originalmente no DocBlog do autor)
Posso estar exagerando um pouco, mas acho que documentário no Brasil não é apenas uma linguagem em evidência, mas também um fenômeno de moda. Histórias do Rio Negro, o primeiro filme do diretor de TV e publicidade paulista Luciano Cury, ostenta duas griffes, por assim dizer: o “repórter” Drauzio Varella e a trilha musical de César Camargo Mariano.
Exageraria, com certeza, se afirmasse que os “causos” contados pelos habitantes das margens do Rio Negro estão ali apenas como mais uma griffe, chamada “cultura popular”. Mas não estamos muito longe disso. Garimpeiros, seringueiros, pescadores, parteiras e até um parteiro contam histórias de violência, desagregação familiar, lenocínio, curupiras, botos e cobras-grandes. Os relatos se sucedem como retalhos de um museu de gente, onde a fluência dos temas importa mais do que a forma como cada pessoa se constitui diante da câmera.
Separando os blocos de depoimentos, temos belas imagens do rio e das florestas, filmadas do ponto de vista aéreo ou de um barco que desliza sereno entre águas serenas. Esse passeio new age (lembram disso?) sobre a tona da água e seus reflexos parece a metáfora perfeita da superficialidade com que o filme visita aquele mundo – de passagem, sem realmente se deter diante de nada. As pessoas não têm nome, os lugares não são identificados, o que só acentua sua transformação em meros objetos de um travelling inofensivo pela Amazônia.
A crer no envolvimento de Drauzio Varella com a região, a coisa poderia ser bem melhor. O Doutor Fantástico faz expedições à bacia do Rio Negro há 15 anos, onde até já contraiu febre amarela. Coordenou a coletânea de artigos Florestas do Rio Negro e atualmente lá dirige um projeto de pesquisa medicinal com plantas. Apesar de todas essas credenciais, Varella não é um legítimo personagem do filme, embora seu nome seja anunciado antes do título. Sua presença não é tematizada nos encontros com a população ribeirinha, restando-lhe o papel de um repórter quase convencional.
Ao não incorporar nem o guia, nem as circunstâncias da própria viagem, o doc parece renunciar a qualquer estrutura e se limita a falas estanques alternadas com paisagismo musicalmente suntuoso. Mais questionável ainda é o uso da música para “amaciar” depoimentos mais longos ou para ilustrar (“mickeymousear”, como se diz nos EUA) referências sobrenaturais.
Um ou outro personagem pode capturar ocasionalmente nossa atenção. Uma ou outra história pode soar divertida e curiosa. Mas tudo corre e se acaba sem que mergulhemos um dedo sequer na profundeza do grande rio.
HISTÓRIAS DO RIO NEGRO
Brasil, 2006
Direção: LUCIANO CURY
Entrevistas: DRAUZIO VARELLA
Pesquisa e roteiro: MARIA CRISTINA POLI E JEFFERSON PEIXOTO
Fotografia: CLAUDIO LEONE
Música: CESAR CAMARGO MARIANO
Montagem: MÁRCIO SOARES
Som direto: GUILHERME AYROSA
Produção executiva: PAULO ROBERTO SCHMIDT, MARIA CLARA FERNANDEZ
Duração: 86 minutos
Site oficial: clique aqui