Beringelas, abobrinhas e tomates: pode não parecer muito atraente para apetites não-vegetarianos a composição básica da ratatouille, um prato da Provence que dá nome à nova animação de longa-metragem de Brad Bird - o mesmo diretor de Os Incríveis. Mas mesmo quem não gosta dos vegetais ingredientes do petisco corre o risco de se deliciar com a história de Rémy, um rato que quer ser chef de cuisine.
O paradoxo é uma das mais efetivas armas do humor. Um bom exemplo nacional foi dado por Luís Fernando Veríssimo quando falou do famoso personagem de suas crônicas, o “Analista de Bagé”. Veríssimo explicitou o que era cômico em sua criação: um sujeito rude e sem meias palavras exercendo uma atividade que exigiria muito tato e sensibilidade. Este bizarro discípulo de Freud era capaz de dar a maior bronca em um paciente com “complexo de Édipo”, ordenando que o neurótico tomasse jeito e “respeitasse a mãe – onde já se viu?”...
No novo filme da Pixar, o divertido estranhamento vem exatamente de se ver um rato de esgoto na cozinha de um restaurante parisiense: opostos incompatíveis na realidade, unidos pela magia da fantasia e da animação que – é claro – faz do herói roedor um bichinho simpático, corajoso e capaz de lidar com suas aspirações de feitio mais “humano”. Ainda que tenha que enfrentar a – digamos - incivilidade de seus irmãos, capazes de comer qualquer lixo (literalmente). Mas até os parentes de Rémy surgem como tipos algo cativantes – e bem mais do que os vilões humanos da trama: um crítico de gastronomia e um chef sem maior inspiração. Em se tratando de um adversário de ratos, o nome escolhido para este mau-caráter não podia ser outro: Skinner – alusão a um cientista de nome menos popular na linha das pesquisas reflexológicas com animaizinhos servindo de cobaias. Em nosso meio ficaram mais conhecidos os “ratinhos de Pavlov”.
Piadinhas como esta, só para adultos informados. E pode ser até que o filme (inclusive por sua duração robusta de 110 minutos) nem seduza tanto assim as crianças menores: afinal, quase tudo gira em torno de gastronomia, vinhos, queijos, cozinha de restaurante, pratos sofisticados e ingredientes. Mas como sempre, o roteiro traz a esperta jogada de favorecer a identificação da platéia - por exemplo, com o atolado Linguini, o principal personagem humano, uma nulidade em matéria de culinária. E, principalmente, com o ratinho que quer superar suas limitações de tamanho (além da origem animal) – um aspecto capaz de cativar as criancinhas que ainda não sabem fazer o que “gente grande” já sabe. E ainda pode-se dizer que, de certa forma, o ratinho também tem um “amigo imaginário”. Humano, é claro.
O roteiro-padrão dá todas as “viradas” sugeridas nos manuais norte-americanos e talvez o filme ficasse ainda melhor com menos vai-e-vem e duração menor. Ainda assim, Ratatouille, o filme, é praticamente irresistível, bem servido na versão original pelas vozes de atores adequadíssimos, com o luxo de ter um Peter O’Toole e um Ian Holm dublando os vilões. Outros nomes menos conhecidos (ou um pouco mais como o de Brian Dennehy) também têm excelente performance vocal, tornando os personagens engraçados e/ou sedutores.
Não é preciso destacar a qualidade técnica da animação, aspecto praticamente obrigatório, mesmo (e que bom!) sem abuso de pirotecnias excessivas. O filme também se permite ter divertidos desenhos em estilo completamente diferente nos créditos finais, intencionalmente menos “realistas”, como se fosse uma apresentação da série da “Pantera Cor-de-Rosa”. A música é agradável e igualmente pertinente à bem utilizada “locação” parisiense.
E, como aperitivo, o filme é precedido de um curta, igualmente em animação. Quase Abduzido já abre o sorriso gostoso que o longa a seguir vai deixar nos lábios dos espectadores quase todo o tempo.
# RATATOUILLE (RATATOUILLE)
EUA, 2007
Direção: BRAD BIRD
Roteiro: BRAD BIRD sobre história dele, de JIM CAPOBIANCO e de JAN PINKAWA.
Fotografia: SHARON CALAHAN
Montagem: DARREN T. HOLMES
Música: MICHAEL GIACCHINO
Elenco (Vozes): PATTON OSWALT, IAN HOLM, LOU ROMANO, BRIAN DENNEHY, PETER O’TOOLE, PETER SOHN, BRAD GARRETT, JANEANE GAROFALO.
Duração: 110 minutos
Sites oficiais: EUA e
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