Críticas


ULTIMO BANDONEÓN, O

De: ALEJANDRO SADERMAN
Com: RODOLFO MEDEROS, MARINA GAYOTTO
03.08.2007
Por Carlos Alberto Mattos
NÃO É UM "DOBLE A"

Depois da música turca em Atravessando a Ponte, um novo documentário musical pretende sintetizar a alma de um país: O Último Bandoneón. Em breve, será a vez de Brasileirinho, tributo do finlandês-tapuia Mika Kaurismäki ao nosso chorinho.



A literatura pode dizer da cultura de um lugar, a pintura pode expressar o seu gosto, mas nenhuma arte se presta como a música a exprimir o mítico, o inefável que circula entre conterrâneos e apela à sensibilidade estrangeira. O Último Bandoneón quer fazer isso com o tango argentino. Consegue, mas não muito.



O diretor Alejandro Saderman é um argentino atuante na Venezuela, onde dirigiu alguns docs e os longas de ficção Golpes a Mi Puerta (1994) e Cien Años de Perdón (1998). Retornou às origens para rodar esse tributo aos velhos milongueros e aos jovens que mantêm viva a cultura tanguera. Entre esses dois extremos está o protagonista do filme, Rodolfo Mederos, discípulo e herdeiro de um bandoneón de Astor Piazzolla. Mederos é famoso por produzir a renovação do tango através de uma escola e da formação de orquestras jovens.



Para circular nesse meio, os co-roteiristas Saderman e Graciela Maglie criaram uma mescla de ficção e documentário em torno de uma success-story pouco convincente. A bandoneonista Marina Gayotto, que veio de Rosario para Buenos Aires atrás do seu sonho, interpreta a si própria entre o real e o ficcional. Toca em ônibus e numa banda de rock para sustentar a vida de mãe solteira. Faz um teste para a escola de Mederos e é instada a trocar seu instrumento defeituoso por um Doble A (da marca alemã Alfred Arnold), que a cada dez minutos alguém se encarrega de nomear “o stradivarius dos bandoneóns”.



A busca de Marina é que nos conduz, um tanto precariamente, por ensaios de orquestra, salões onde se dança o tango de pista como antigamente, hospitais de bandoneóns, uma sapataria especializada, um clube de velhos mestres bandoneonistas e até a casa de um japonês dedicado à compra e exportação de Doble-As. No percurso, ficamos sabendo de detalhes históricos e técnicos do tango, assim como ouvimos loas à sua internacionalização e críticas à sua espetacularização nos palcos. Mas sobretudo testemunhamos uma constante elegia ao gênero musical. Paixão, alma, sangue, culto são palavras pronunciadas à exaustão.



Entretanto, estamos longe de um filme Doble-A. O engajamento emocional fica prejudicado pela artificialidade dos contatos encenados entre Marina e Rodolfo, bem como deles com terceiros. Cenas inteiras, como os testes de Marina e um leilão, caem num fosso entre o falso documentário e a ficcionalização canhestra. Rodolfo Mederos, portenho até a medula, é elegante mas distante como personagem central. Marina, pouco expressiva, tampouco convence como integrante da Orquestra Típica (na verdade, ela integra a menos importante orquestra da escola de Fernando Taborda). Quem leva a melhor são personagens circunstanciais, como um casal de jovens dançarinos e os velhinhos do clube.



O filme exagera aqui e ali na edição veloz, mas fica especialmente envolvente quando monta as falas em meio a jorros de tango, fazendo com que a sonoridade do castellano argentino se converta também em música. Esse traço de linguagem audiovisual talvez cumpra melhor o objetivo do filme do que todo o seu painel de informações exposto em narrativa mal costurada.





Visite o DocBlog do crítico.





O ÚLTIMO BANDONEÓN (EL ÚLTIMO BANDONEÓN)

Argentina/Venezuela, 2006

Direção:
ALEJANDRO SADERMAN

Roteiro: GRACIELA MAGLIE, ALEJANDRO SADERMAN

Fotografia: MIGUEL ABAL, FEDERICO GÓMEZ, EMILIANO LÓPEZ

Música original: RODOLFO MEDEROS

Montagem: MIGUEL PÉREZ

Elenco: RODOLFO MEDEROS, MARINA GAYOTTO

Duração: 90 minutos

Site oficial: clique aqui

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário