A já nem tão recente mania de parte do cinema francês tentar mimetizar o “estilo” de filmes norte-americanos supostamente com maior acolhimento junto ao público em geral chega à esfera das cinebiografias com este Piaf - um Hino ao Amor - cujo título original é La Môme, apelido de Edith Piaf (1915-1963). La Môme Piaf seria algo como “a pequena cotovia”, aludindo tanto à baixa estatura (menos de metro e meio) da cantora, como à sua voz, de emissão tão fácil que lhe permitia ser “cantora de rua” nos primórdios de sua carreira.
Como em outros filmes biográficos, a vida de Piaf é narrada de forma acronológica, recurso que já vem se tornando clichê do gênero. Neste caso, o formato não-linear talvez possa agradar mais aos que já têm conhecimento de certas passagens da trajetória da artista. Fica a impressão de que saltar do final da vida para a infância, daí para a morte, retomando a maturidade - e assim por diante - serve, acima de tudo, para que os espectadores possam ter Piaf viva na cena final cantando algum de seus maiores sucessos. O desempenho de Marion Cotillard é tão arrebatador como as interpretações derramadas da cantora: Marion é dublada pelas gravações originais e a platéia aplaude como se estivesse tendo a oportunidade de assistir à própria Piaf revivida.
A diferença entre cantores bregas exagerados e uma Piaf seria, talvez, a veracidade que ela transmitia em suas canções passionais com letras sem o menor pudor de extrapolar o patético e/ou o confessional: um “Hino ao Amor” para um amante que morreu em desastre aéreo; uma afirmação de que não se arrependia de nada do que fizera já perto do final de uma curta e movimentada vida: “Non! Je ne regrette rien!”.
Tudo ficava verossímil quando ela cantava com as mãos crispadas na altura do rosto, os gestos melodramáticos, a voz rascante e gritada - enquanto sua vida real chega a parecer inverossímil, como se fosse um dramalhão de antigas novelas de rádio mexicanas envolvendo infância miserável, desencontros amorosos, perdas, escândalos, doenças, grave dependência química (morfina) e aparência de octogenária decrépita aos 47 anos - quando morreu.
Na verdade, o filme seleciona algumas coisas e elimina outras tantas, ignorando muitos dos conhecidos casos amorosos da cantora com outros nomes bem famosos do mundo artístico. E deixa para o final uma “revelação” (que não será mencionada aqui) que soa mais como um “gancho” forçado para reativar o interesse na parte final da projeção.
Feito para agradar sobretudo os que apreciam episódios bem dramáticos - ainda mais se baseados em fatos acontecidos – assim como os que se encantam com desempenhos que mimetizam personalidades que viveram há relativamente pouco tempo e que, portanto, podem ter verificadas as semelhanças atingidas pelos atores com seus modelos reais. Mesmo os que não apreciarem as opções do roteiro e os truques de (ainda mais) acréscimos melodramáticos, poderão admirar o trabalho de Cotillard, que vem angariando prêmios. A fotografia preciosista também chama atenção: por exemplo, as cenas passadas nos EUA nos anos 1950 reproduzem as cores “fortes” dos filmes americanos da época, em tonalidade bem diferente do restante do filme.
Resta saber se tanto mimetismo vai mesmo ficar como suposto “padrão de qualidade” para filmes que visam atrair um público mais influenciável por imitações da vida – e que já é o melhor caminho atual para prêmios de interpretação pela Academia de Hollywood: grandes atores só são premiados quando ganham papéis de pessoas reais em interpretações que sejam cópias “xerox”: de Truman Capote, Idi Amin Dada, Katherine Hepburn, Ray Charles, Rainha Elizabeth, etc. Se a atriz Cotillard e a cantora Piaf fossem americanas, já saberíamos quem seria a oscarizada do próximo ano.
# PIAF - UM HINO AO AMOR (LA MÔME)
França, Reino Unido, República Tcheca, 2007
Direção: OLIVIER DAHAN
Roteiro: ISABELLE SOBELMAN e OLIVIER DAHAN
Fotografia: TATSUO NAGATA
Montagem: RICHARD MARIZY
Música: CHISTOPHER GUNNING
Elenco: MARION COTILLARD, SYLVIE TESTUD, PASCAL GREGGORY, GÉRARD DEPARDIEU, EMANUELLE SEIGNER, JEAN-PAUL ROUVE, JEAN-PIERRE MARTINS, CATHERINE ALLÉGRET, CAROLINE SIHOL, ALBAN CASTERMAN.
Duração: 140 minutos.