Filmes que pretendem duplicar o que seria sua realidade diegética em uma recriação fantasiosa dos mesmos elementos anteriores do enredo correm o risco de não se situar bem em nenhuma das duas apresentações.
Há exemplos bem sucedidos, entretanto. No cinema espanhol, o nunca suficientemente valorizado Elisa, Vida Minha (1977), de Carlos Saura, tinha uma estrutura semelhante à deste Madrigal. O espectador acompanhava mais de dois terços do filme aceitando os fatos mostrados como “reais”, ainda que interpolados por algumas cenas sugestivas de que se passavam na imaginação dos personagens centrais; mas já perto do terço final, uma narrativa em off semelhante à da abertura acompanhava os mesmos personagens em uma espécie de “variação” das situações mostradas até então. Uma hipótese é de que parte do que havia sido visto vinha de um texto escrito por um dos personagens, usando situações de sua vida e da vida de seus familiares para uma “re-escrita” da própria existência. Sem nunca definir exatamente o que se passava nos manuscritos do pai, o que se passava na imaginação da filha e o que seria uma realidade comum a ambos, o filme atingia uma riqueza ambígua polissêmica poucas vezes tão bem sucedida. Para tentar caracterizar os que nunca o viram, diríamos que era quase um “filme de Bergman” que Bergman não dirigiu, mas com forte identidade própria, jamais uma cópia barata, em ambientação ibérica e não nórdica.
Tudo isto para dizer o que Madrigal não é. Tal como no filme de Saura, este persegue por muito mais da metade fatos (já algo estranhos) que serão “refeitos” nos vinte minutos finais - quando o filme encena um conto passado em 2020 e escrito pelo personagem masculino central. Mas o que se percebe desde o início é que a busca do insólito não passa do nível artificial e muito superficial. A falta de talento e de imaginação criativa realmente originais se auto-desculpa frequentemente através de estruturas ficcionais de fábulas (rasas), “surrealismo” (como recurso fácil), liberdade de trânsito entre realidade e fantasia (como álibi), deixando de lado que “mesmo dentro da loucura há método” e que pode haver verossimilhança na ficção sem compromisso com o realismo; e deve haver plausibilidade em narrativas “implausíveis”. Enfim, falta coerência interna, mesmo dentro da opção não-realista deste filme.
A música “climática” insistente só faz irritar e entediar mais ainda. Lamentável exemplo de pretensão intelectual sem talento para dar conta de suas ambições, o filme se revela gratuito e insatisfatório. Quando não fica quase risível. O espectador só não sai no meio para ver se descobre onde toda aquela incoerência vai chegar: não chega a lugar nenhum, dando-se tudo por encerrado numa espécie de retorno (circular) ao início, recurso que aqui soa tão "fácil" quanto insatisfatório e insuficiente para justificar tamanha perda de tempo.
# MADRIGAL (MADRIGAL)
Espanha, Cuba, 2006
Direção: FERNANDO PÉREZ
Roteiro: EDUARDO DEL LLANO e FERNANDO PÉREZ
Fotografia: RAÚL PÉREZ URETA
Montagem: JULIA YIP
Direção de Arte ERICK GRASS
Música: EDESIO ALEJANDRO
Elenco: CARLOS ENRIQUE ALMIRANTE, LIETY CHAVIANO, ANA DE ARMAS, CARLA SÁNCHEZ.
Duração: 112 minutos