Fatos divulgados a partir de boatos sem confirmação, geralmente com intenção de se constituir mesmo em fake news ; publicações condicionadas ao montante de dinheiro recebido, podendo então ser favoráveis ou desfavoráveis - e até mesmo conseguindo ambas as coisas visando “causar” (nada como uma polêmica para “acontecer”); contexto social pesando mais do que qualquer avaliação neutra e propriamente artística de um livro ou de um espetáculo teatral; a “opinião pública” forjada e direcionada pela mídia; frases de efeito sarcásticas, mordazes ou irônicas destruindo reputações; hipocrisia, cinismo e um abismo intransponível entre a dita elite e as demais classes sociais; preconceito contra artistas (especialmente mulheres, atrizes); maquiavelismo, farsas, manipulações etc. Um filme passado nos dias de hoje? Não: lançado no Festival de Veneza de 2021, mas baseado em livro homônimo publicado em 1837, Ilusões Perdidas, dirigido por Xavier Gianolli, chega a mencionar que “algum dia, um banqueiro pode chegar a governar uma nação”.
Se, mesmo que nem tudo isso estiver no romance considerado capital na extensa “Comédia Humana” de Balzac, o espectador poderá ficar consternado ao considerar que nada de novo (e de muito ruim) existe sob o sol - ainda que a esplendorosa reconstituição de época (a “Restauração" da monarquia, nem tanto tempo após a Queda da Bastilha) e os desempenhos caprichados do elenco possam funcionar como prazer estético enquanto o veneno da perversidade, sob tanta beleza, vai percorrendo insidiosamente as relações humanas, mesmo aquelas - antes - baseadas em amor e idealismo sinceros. Bem, o título do romance já diz tudo e a narração em off antecipa, nos primeiros trechos passados em Paris, que o jovem provinciano Lucien vai se perder tragicamente – ainda que ele não tenha deixado de ser mordido pela hybris quando acreditou que teria poderes suficientes em sua carreira de alpinista social capazes de dobrar as perfídias dos poderosos usando da mesma moeda pérfida. Só que também fica claro que, mesmo que mantivesse atitudes éticas, suas pretensões literárias e de inclusão social jamais iriam transpor as muralhas nem sempre explícitas das polidas convenções no comportamento dos bem-nascidos.
Não há como deixar de constatar o acerto da escalação de Benjamin Voisin para o papel central: há ingenuidade provinciana tanto quanto arrogância pretensiosa (e tolamente perversa) em seu desempenho, variando conforme o arco do personagem. Vincent Lacoste em composição mais extrovertida e matizada de acordo com o que é necessário e Xavier Dolan, com a ambiguidade pertinente ao seu papel, complementam o elenco masculino mais jovem, sendo que Gerard Depardieu se destaca entre os veteranos com sutilezas de interpretação que enriquecem o personagem do editor que nem ler sabe, um convite aos estereótipos que o ator dribla de modo brilhante.
Cécile De France preserva o lado discreto adequado à personagem, enquanto Jeanne Balibar (que já brilhara em outro filme baseado em Balzac, A Duquesa de Langeais, de Jacques Rivette) é a personificação de "tanta crueldade sob as boas aparências" de que falou Martin Scorsese ao comentar Tarde Demais (The Heiress, 1949), de William Wyler. E Salomé Dewaels complementa muito bem o time dos papéis femininos principais.
A trilha musical mescla de Rameau a Schubert sem preocupação com o anacronismo em relação ao que possivelmente se escutava em Paris na época, estando mais voltada para enfatizar o estado de espírito romântico do personagem, ainda que transformado em aprendiz de maquiavelismo, e oferecer temas de músicas clássicas mais conhecidas das plateias. Outro momento que busca a ênfase é o da justaposição de dinheiro com o sexo do personagem numa cena próxima ao desfecho que pode ser questionada pelo didatismo da ideia a ser transmitida visualmente sem a sutileza que domina os outros momentos do filme.