Em uma das cenas iniciais de Floresta dos Lamentos o idoso Shigeki pergunta a um monge se está vivo. A reposta envolve a formulação da pergunta: porque alguém se pergunta se está vivo? Em uma aproximação concreta a questão poderia ser resultado da idade avançada de Shigeki, mas a questão é filosófica e envolve um luto não-elaborado pela perda da mulher amada, Mako.
A acompanhante de Shigeki que trabalha no asilo onde ele se encontra, a jovem Machiko, também tem uma perda não assimilada em sua história de vida. Juntos, eles farão uma ansiosa jornada pela floresta que poderá trazer paz para o relacionamento com os mortos e as perdas.
O processo de elaboração do luto no mundo ocidental foi abordado, dentre outros, por Freud, em Luto e Melancolia, um dos textos fundamentais da teoria psicanalítica básica. O cinema japonês já apresentou, através de clássicos de Mizoguchi e Kobayashi, histórias de fantasmas que, na verdade, tratavam do processo de aceitação da vida após perdas dolorosas de entes queridos para a morte. Nada seria tão simples, ensina Freud: as perdas também “congelam” nossos ressentimentos para com os que se foram, a ambivalência dos afetos envolvidos podem dificultar a nossa vida após a morte – dos outros.
O filme de Naomi Kawase não apresenta tal complexidade. Apenas o drama da jovem Machiko é agravado por uma possível desatenção dela na morte de um filho – coisa de que o marido a acusa. Nada se saberá, entretanto, da relação de Shigeki com sua falecida amada, permitindo a hipótese de um “amor perfeito” atrapalhado pela indesejada das gentes.
Como um tardio Orfeu à procura de sua Eurídice, Shigeki força Machiko a acompanhá- lo em sua jornada pela floresta para encontrara a paz, apesar da perda já antiga da amada. A beleza da fotografia, dos enquadramentos e movimentos de câmera não é, no entanto, suficiente para suprir a longa caminhada de maior interesse. Uma cena de possível suspense quando um aluvião se faz presente no trecho de rio que eles estão atravessando é quase insuportável - mas pelos berros estridentes e desesperados da moça pedindo que o velho não prossiga. Além disso, o cansaço domina o espectador com a lentidão intolerável que a beleza das cenas não evita.
O luto oriental, aqui, aparece com uma forma de elaboração um tanto simplista e concreta, ritual no máximo – o que pode ter sua função, mas não se aprofunda. Na verdade, a direção parece mais cerebral, em busca de belos planos e movimentos de câmera, do que buscar um mergulho afetivo e emocional, ainda que o ator Shigeki Uda se mostre cativante. Já Machiko Ono não provoca empatia com sua atitude atarantada, gritos e esgares.
Há que se refletir sobre a adoração ao ritmo lento dos filmes autorais apreciados intelectualmente (o filme foi premiado em Cannes): uma reação à “linguagem de vídeo-clipe” dominante no cinema mais comercial e industrial? Nem por isso todo filme carece de tal formalismo que pode acabar tedioso. Se nesta atual mostra, a lentidão é coerente com o belo e delicado Mutum de Sandra Kogut, com o triste Eu não quero dormir sozinho de Tsai Ming-Liang ou mesmo com O Sol de Sokurov, também poderia ser pertinente para este filme de Naomi Kawase. Mas o tédio que provoca com seu enredo, afinal de contas, banal, compromete intensamente a adesão ao filme.
# FLORESTA DOS LAMENTOS (MOGARI NO MORI)
Japão/França, 2007
Direção e Roteiro: NAOMI KAWASE
Elenco: SHIGEKI UDA, MACHIKO ONO.
Duração: 97 minutos.