Críticas


ASSASSINATO DE JESSE JAMES…, O

De: ANDREW DOMINIK
Com: BRAD PITT, CASEY AFFLECK, SAM ROCKWELL
05.12.2007
Por Luiz Fernando Gallego
SÓ SE MATA O QUE SE AMA?

O texto que se segue é uma nova versão, ampliada em relação à resenha anterior quando do Festival Rio 2007.



O quilométrico e explicativo título O Assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford é compatível com a longa duração do filme (160 minutos) e antecipa que veremos a morte do mítico marginal do oeste americano. Resta acompanhar como a narrativa vai se desenvolver até chegar ao desfecho previamente anunciado.



Nas primeiras cenas já se constata que o ritmo é pausado e o roteiro assume um traço minuciosista nas informações das datas (dia, mês e ano) dos acontecimentos, começando com o último roubo de trem liderado pelos irmãos Frank e Jesse James, sete meses antes da morte deste último. Conversas de seus capangas parecem ocupar mais espaço do que mereceriam, deixando como que o "herói" sempre a uma certa "distância".



Se o espectador aceita a lenta familiarização - tanto com o ritmo que o diretor Andrew Dominik escolheu para conduzir o filme, - como com os personagens (marginais com distúrbios psicopáticos de conduta retratados sem atenuantes romantizadas), poderá se sentir amplamente recompensado, especialmente na meia hora final - quando não se tem mais dúvida de que se está assistindo uma obra que já nasceu clássica. E ao mesmo tempo, contemporânea na linguagem e estilo de abordagem do personagem – a rigor, exaustivamente explorado pelo cinema americano, carecendo de interesse prévio em si mesmo: por que mais um filme sobre o bandido mais famoso de sua época?



A resposta não vem do tema: o que justifica este filme é o modo como trata os fatos, deixando a exaurida mitificação hollywoodiana de lado para tentar uma recriação com aparência algo documental sobre o que teriam sido os últimos meses de vida de Jesse James. Ao mesmo tempo, se detém no “covarde” assassino Bob Ford tanto - ou mais - do que na sua futura vítima, mostrando a relação de admiração idólatra do jovem pela fama do bandido de 34 anos, adoração vinda da infância, como se James fosse um ídolo pop do século seguinte. Em algum momento, aquele que vai ser morto pergunta ao que vai matá-lo: Você que ser como eu - ou quer ser eu?



Não podendo ser o outro, Bob terá que matá-lo, embora outros motivos bem concretos também se manifestem: recompensa em dinheiro, é claro; e ataque como melhor defesa, pois se Ford não o matasse, em algum momento poderia vir a ser morto por James. Pelo menos, a hipótese existia, embora James, neste filme, em seus últimos dias, pareça um "desistente". Mas o roteiro também mostra, um pouco antes, a relação desconfiada do líder com os membros de sua quadrilha - dos quais ele passa a suspeitar, com ou sem razão para tanto. E acentua a ambivalência entre a admiração e inveja de Bob, assim como a tolerância de Jesse para com seu fã número um e que será seu carrasco.



Mais do que tolerância, o filme sugere que James quase "escolheu" seu assassino e "favoreceu" seu destino, mais do que apenas se submeteu ou "aceitou" seu fim. Uma espécie de fascinação mútua e mortal entre vítima e algoz, entre fã e ídolo. Se o fã se sente rejeitado por atitudes menos receptivas de seu ídolo, tudo pode acontecer: desfaz-se a fusão imaginária narcisista que o idólatra mantinha com seu objeto de idealização e a vivência de mágoa e humilhação se instala com lente de aumento, intensificando o ressentimento de não poder mais ser como imaginava que era até então, ou seja, algo "misturado" com o outro, mais do que apenas se sentindo tão identificado.



O filme não se encerra com a morte de James, mostrando o assassino tentando ser “como” ele em termos de popularidade, encenando em palcos (!) o momento em que matou o criminoso superstar da época . A tragédia de Robert Ford é que nunca se pode ser mesmo o outro - e o filme acentua isto no que seria uma espécie de epílogo, com uma sucesão de cenas, aliás, brilhantes. E que não deixam de abordar a relação perversa do público para com seus anti-heróis fotografados já mortos ou "recriados" em teatros repletos.



Brad Pitt recebeu prêmio de interpretação no festival de Veneza deste ano e mostra-se bastante adequado no personagem em seus dias crepusculares e em sua instabilidade. Mas tanto Casey Affleck no papel de Bob, como Sam Rockwell desempenhando um irmão mais velho de Bob se destacam no elenco, todo ele irrepreensível. Desde Confissões de uma Mente Perigosa Rockwell estava mesmo devendo outro bom momento em filme acima da média. A fotografia de Roger Deakins (Kundun, Fargo, O Homem que não estava lá) contribui fundamentalmente com o esteticismo do filme que remete à elegância formal de Terrence Malick e à abordagem avessa ao western de formato tradicional, implosão que Altman praticamente inaugurou em Quando os Homens são Homens. A ambientação musical é mais do que adequada.



A cópia em exibição comercial no Rio de Janeiro (quando revimos o filme em dezembro de 2007) apresenta legendas mais cuidadas do que na cópia exibida no Festival do Rio 2007, em setembro. Para as cenas de neve ou outras com fundo branco, até mesmo legendas deslocadas da parte baixa da tela passaram a não dificultar mais a leitura evitando o "branco sobre branco".



# O ASSASSINATO DE JESSE JAMES PELO COVARDE ROBERT FORD (THE ASSASSINATION OF JESSE JAMES BY THE COWARD ROBERT FORD)

Estados Unidos, 2007

Direção e Roteiro: ANDREW DOMINIK

Fotografia: ROGER DEAKINS

Música: NICK CAVE e WARREN ELLIS

Elenco: BRAD PITT, CASEY AFFLECK, SAM ROCKWELL, SAM SHEPARD, PAUL SCHNEIDER, MARY-LOUISE PARKER.

Duração: 160 minutos

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