Há muito o que dizer sobre Não Estou Lá, uma cinebiografia fora dos modelos vigentes que se repetem, todas com quase a mesma estrutura, parecidas entre si seja tratando de Ray Charles ou de Edith Piaf. Aqui, não: o estilo poderia ser dito "cubista", já que é caleidoscópica, anárquica, múltipla. E seja qual for o adjetivo que se tente usar para resumir a forma de Todd Haynes abordar Bob Dylan, o que se constata é que, no todo e nos segmentos, tudo funciona muito bem, mesmo com uma duração de mais de duas horas de projeção, várias digressões e alguns trechos mais interessantes do que outros. Mas todos soam indispensáveis para (não) se dar conta da persona pública (e privada) do cantor-compositor folk, pop, de rock, de protesto, eventualmente ator e pastor religioso – dentre outros aspectos mais ou menos conhecidos da biografia do artista.
A idéia de dividir o personagem entre seis atores diferentes (sendo um deles uma atriz) foi uma multiplicação que deu certo - com desempenhos, no mínimo, corretos de cada um. É impossível não destacar Cate Blanchett que – mais uma vez – faz tudo de bom que já se espera dela, ao mesmo tempo em que surpreende, indo muito além do que se poderia esperar. Uma criação antológica.
Mas o brilho da atriz não apaga os acertos de Christian Bale, de Marcus Carl Franklin (um garoto negro, excelente) e até mesmo de Richard Gere que, para muitos, ainda é considerado um ator limitado. Heath Ledger e Bem Whishaw apenas tiveram menos oportunidades nas facetas de Dylan que lhes foram destinadas. E ainda temos o apoio de luxo de Julianne Moore (atriz-fetiche do diretor que teve outra criação excepcional em Longe do Paraíso, o longa anterior de Haynes há cinco anos atrás) no papel de uma Joan Baez já fora do período de fama, como uma depoente atual sobre o que já passou.
A fotografia a cores e em preto-e-branco também muda conforme a música (ou o momento retratado da vida de Dylan), sendo mais do que “apenas” muito bonita, organicamente integrada na concepção do filme, a forma de acordo com o conteúdo.
Não se trata de uma obra “fechada” que pretenda definir uma vida (e obra) de um artista emblemático dos anos 1960 em diante. Pelo contrário, o filme mostra contradições irresolvidas como um leque aberto que explode em várias direções sem se deter em nenhuma delas. Não veio para explicar, mas para confundir. Ou seja, é o retrato de um artista enquanto pessoa: até como diz uma das encarnações de Dylan na pele da Cate Blanchett, “sou apenas um homem". Imaginem se fosse uma mulher!!!
# NÃO ESTOU LÁ (I’M NOT THERE)
Estados Unidos, 2007
Direção: TODD HAYNES
Roteiro: TODD HAYNES e OREN MOVERMAN
Fotografia: EDWARD LACHMAN
Elenco: CHRISTIAN BALE, CATE BLANCHETT, RICHARD GERE, HEATH LEDGER, JULIANE MOORE, MARCUS CARL FRANKLIN, BEN WHISHAW
Duração: 135minutos