O novo filme do diretor e roteirista Sam Mendes surge como ótima e oportuna escolha para abrir o Festival do Rio 2022. Além de transcorrer essencialmente em torno de uma sala de cinema (na Inglaterra dos anos 1980/1981), vemos até mesmo uma “motociata” de skinheads com os piores propósitos do ideário fascista que, como ovo da serpente já estava por lá nessa época - e germinou de modo avassalador no nosso século. Lá e cá, lamentavelmente. Além de algo pouco representado no cinema britânico: mais do que xenofobia, racismo chegando à violência física contra negros.
Talvez a vontade de abordar muitos assuntos tenha inflado um pouco o roteiro, dando margem a alguns clichês dispensáveis, não só por serem clichês, mas porque desnecessários para caracterizar ainda mais os personagens: o pequeno episódio do pombo com a asa quebrada, o discurso mais do que intenso da personagem de Olivia Colman (em casa) sobre sua mãe - e até mesmo o “excesso” de finais poderiam não existir sem prejuízo para o que se quer mostrar. São algumas ‘gorduras’ dispensáveis, pleonásticas, que buscam o espectador carente de uma sedução mais melodramática. Por outro lado, como são passagens breves, não pesam na duração do filme que tem outros pontos positivos.
No início, antes de abordar o racismo, o filme trata do abuso de poder de um chefe sobre uma subalterna, coisa que talvez ainda passasse como ‘normal’ em 1980, com o agravante de que ela sofre de distúrbios de humor, fazendo uso de Lítio, ou seja, é um duplo abuso: machista, e sobre alguém nem sempre em estado emocional que lhe permita uma escolha mais livre de parceiro sexual - pois pode estar alterada numa fase mais depressiva ou de maior euforia.
Por alguns aspectos, o cinéfilo pode lembrar O Medo devora alma (1975), de Fassbinder, já que o filme centra num negro mais jovem e numa mulher algo marginalizada - não por ser tão idosa ou faxineira como no filme alemão, mas já na chamada “meia idade” e portadora de problemas psíquicos recorrentes. A marginalização do negro é mais óbvia, mas o filme pretende aproximá-los, ainda que eles não se busquem necessariamente por esse aspecto.
A sedução maior ao público para passar os temas mais ingratos vem da direção de arte que mostra um cinema de rua que fica em frente a uma praia e que ainda faz jus ao nome de “Empire” (um dos significados do título Império da Luz) e que chegou a ter quatro salas para exibições simultâneas. Alguma coisa já não é como havia sido durante tantas décadas... Mesmo assim, o cinéfilo mais jovem vai ter um exemplo do clima “palaciano” de muitos cinemas antigos, além de conhecer as máquinas de projeção para película física. A fotografia de Rogers Deakins colabora para o aspecto estético de muitas imagens da construção que já deve ter tido dias melhores mas sobrevive com algum garbo.
Como dito antes, Mendes não conseguiu escolher entre tantas possibilidades de como encerrar o filme, problematizando-se de certo modo um subtema talvez involuntário: a maior alienação fica dentro de uma sala de cinema? O filme que é visto na tela dentro da tela no desfecho pode deixar essa questão em aberto.
Outra associação associação óbvia para o titulo está na famosa pintura de Magritte "O Império das Luzes" (no plural) em que se vê um céu claro, diurno, sobre uma casa que está na penumbra da noite e com luzes acesas. Se na obra do surrealista havia esse paradoxo, o contraste entre a sala escura dos cinemas, iluminada pelo feixe de luz da projeção na tela, e o dia claro do lado de fora (quando se vai ao cinema de dia) não tem nada de "surrealista", mas é a justaposição de dois mundos que se alternam para fazer a vida mais suportável, não necessariamente "alienada". Afinal, a alienação fascista aparece fora do cinema - que pode mostrar a vida com maior humanidade e afeto.