Críticas


RETOUR À SÉOUL

De: Davy Chou
Com: Park Ji-Min, Oh Kwang-rok, Guka Han
13.10.2022
Por Luiz Baez
Dilema individual se estende a um drama coletivo

Enquanto cartelas pretas apresentam, em letras amarelas, os créditos do filme, uma canção coreana ecoa na trilha sonora. Não se trata de música extradiegética, e sua fonte logo se revela: os fones de ouvido de Tena (Guka Han), recepcionista de um hotel em Seul. A distração momentânea a impede de observar a chegada de Frédérique (Park Ji-Min), uma jovem turista que, embora evidentes seus traços coreanos, não domina o idioma. Percebendo esse desconhecimento quando lhe pede desculpas, a funcionária tenta estabelecer comunicação em inglês, mas em seguida lê no passaporte a nacionalidade francesa – língua que aprendera com sua mãe, professora. Neste instante, já estão assentadas as premissas de Retour à Séoul (2022): de um lado, a busca por uma origem – mais interior do que exterior, como se descobre ao longo da narrativa – esbarra frequentemente no problema da incomunicabilidade, da ausência de um “comum” que possa mediar as trocas. Mais do que no tema, na verdade, essa faceta se verifica na incessante repetição dos diálogos, traduzidos – por pessoas ou tecnologias – do francês e do inglês para o coreano e vice-versa, obrigando o espectador a experimentar a passagem do tempo e a crescente angústia. Do outro lado, as oportunidades de ruptura, conquanto raras, se oferecem justamente nas interações que dispensam a necessidade de uma língua comum: como o sexo, em cena cômica de um encontro desajeitado, mas também a música, compartilhada por ambas na abertura.

Após investir em uma duração construída por sons e imagens, o filme ruma para uma série de elipses temporais, quando reencontra a protagonista, respectivamente, dois, sete e oito anos desde a viagem inicial. No primeiro desses “saltos”, além de Frédérique, também a câmera aparece mais liberta: remetendo a uma sequência anterior, em que ela pedira uma música para dançar no bar, o diretor Davy Chou compõe uma grande festa, com cores e ritmos em profusão. Os planos se desorientam tal qual a personagem, em uma dança que manifesta não o rigor de um gesto coreografado, mas antes a expressão dionisíaca de uma subjetividade aprisionada. Nem tão Yon-Hee (seu nome coreano, que significa “doce e alegre”), mas também nem tão Freddie (seu apelido francês), o dilema individual de Frédérique se estende a um drama coletivo, resultado do desenvolvimento desigual entre os países cuja nacionalidade ela ora reivindica, ora abnega. Ainda que Chou jamais ignore as questões socioeconômicas adjacentes – comentando, por exemplo, os resultados da Guerra da Coreia –,  o conflito entre a razão instrumental ocidental, que levou ao intervencionismo e à destruição em massa, e as suas consequências adota a forma mais reconhecível da ironia e da contradição somente na segunda elipse. A série de afastamentos temporais, menos envolvente que o primeiro ato (até mesmo por sua duração mais exígua), conclui-se, enfim, com um desfecho que retoma o vigor da ambientação inaugural. Sem a mediação de outras pessoas ou da tecnologia – apenas do recolhimento e da música –, Yon-Hee / Freddie talvez note finalmente que os quase nove mil quilômetros que separam Seul de Paris não se comparam à distância interior que precisa percorrer caso queira encontrar uma identidade.


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