Tropa de Elite, o filme de José Padilha, é baseado no livro Elite da Tropa, assinado pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares e pelos ex-capitães do BOPE André Batista e Rodrigo Pimentel. Ao término de ambos, o espectador e o leitor saem com a mesma sensação de estupefação e inconformismo. Mas há uma diferença básica fundamental entre eles: enquanto Elite da Tropa causa profunda indignação por seu relato da podridão que envolve a política e a polícia, estimulando o leitor a refletir sobre como essa engrenagem nefasta pode contribuir para o aumento da violência e o caos social, Tropa de Elite também causa indignação, mas não dá margem para reflexão. Ao mesmo tempo em que entorpece o espectador com uma injeção de adrenalina na veia, sua ação frenética e envolvente é acompanhada da narração hipnótica do Capitão Nascimento, da qual ao final se conclui que todos os estudantes de classe média-alta são maconheiros que fazem trabalhos comunitários em favelas para se associarem com o tráfico, que todo PM é vendido, que bandido bom é bandido morto, e que só há uma solução para isso tudo: a incorruptível esquadra do BOPE.
Não há brecha para contrastes e contradições em Tropa de Elite. Como em um certo cinema hollywoodiano em que a figura do policial (ou do detetive, como eles preferem) age como um super-herói que não se furta a métodos violentos para livrar a população da terrível ameaça da bandidagem. A diferença é que lá os bandidos em geral são os imigrantes latinos ou os terroristas árabes, enquanto em Tropa de Elite o inimigo a ser vencido é o imigrante nordestino, o Baiano, e seus comparsas. Quando o personagem é apresentado pela narração de Nascimento, ouve-se o comentário de que Baiano “deve ter tido uma infância fodida e virar traficante pode ter sido a única opção do cara”. É a cena em que os mauricinhos cheiram pó com Baiano e compram droga pra revender no asfalto. Nascimento prossegue: “o que me fode é o sujeito que nasce com oportunidade e termina entrando nessa vida. Pra mim, quem ajuda traficante é cúmplice e tem que ir pra cadeia”.
Como se vê, a lógica de Nascimento é bastante clara: para os riquinhos que ajudam traficante, cadeia; para os traficantes e seus comparsas pobres, a justiça é feita na bala. E assim Nascimento e Matias prosseguem em sua cruzada contra a hipocrisia dos mauricinhos, a corrupção da PM e a bandidagem até o clímax final, para delírio dos que odeiam os bandidos e “aquela turma dos direitos humanos”.
Se a história de Tropa de Elite fosse ambientada numa galáxia distante, seria nada mais do que uma das obras de entretenimento mais bem dirigidas dos últimos tempos. As cenas do treinamento do BOPE são desde já antológicas pelo bom humor e a riqueza dos diálogos, assim como o timing das sequências de tiroteio, que não deixam a dever aos melhores filmes de guerra americanos. Isso sem contar a estupenda atuação de Wagner Moura e o bom elenco, especialmente Caio Junqueira (Neto) e Milhem Cortaz (Capitão Fábio).
Mas a realidade de Tropa de Elite é a da violência do Rio de Janeiro, que invade o nosso cotidiano todos os dias. Por isso, há nele uma responsabilidade social, não dá para tratá-lo meramente como um filme de ficção tecnicamente impecável. Talvez em nome da ficção e da melhor aceitação por parte de um público mais amplo, os roteiristas Braulio Mantovani, José Padilha e Rodrigo Pimentel tenham optado por simplificar tanto a composição dos personagens periféricos, reduzindo-os a esterótipos do PM corrupto, do mauricinho drogado e do bandido mau. Depois de Tropa de Elite, qualquer pessoa do bem que trabalhe em ONGs em favelas passará a ser vista com desconfiança.
Os únicos personagens que enfrentam algum tipo de contradição existencial são Nascimento e Matias. O primeiro, sofrendo de um estresse que justifica até a violência contra sua própria mulher; o segundo, vivendo o dilema de seguir os estudos de Direito no meio dos universitários-traficantes de classe alta ou assumir o dever como policial. Uma contradição que se resolve, lamentavelmente, pela lógica fascista.
O diretor José Padilha vem tentando se defender, alegando que o personagem de Nascimento pode ser encarado também como vilão. Pela reação do público ao filme, tem sido o inverso. E Padilha, que com o excelente documentário Ônibus 174 conseguiu colocar o dedo no lugar exato da ferida, dessa vez optou pelo perigoso caminho da superficialidade, não fazendo jus ao thriller policial de fortes tintas políticas que Elite da Tropa, o livro, sugeria.
# TROPA DE ELITE
Brasil, 2007
Direção: JOSÉ PADILHA
Roteiro: BRAULIO MANTOVANI, JOSÉ PADILHA E RODRIGO PIMENTEL
Produção: JOSÉ PADILHA E MARCOS PRADO
Fotografia: LULA CARVALHO
Edição: DANIEL REZENDE
Música: PEDRO BROMFMAN
Elenco: WAGNER MOURA, CAIO JUNQUEIRA, ANDRÉ RAMIRO, MILHEM CORTAZ, MARCELO ESCOREL, FERNANDA DE FREITAS, FERNANDA MACHADO
Duração: 118 min.