Críticas


COMO UMA TARTARUGA

De: Monica Dugo
Com: Edoardo Boschetti, Sandra Collodel, Monica Dugo
16.10.2022
Por Amanda Luvizotto
Uma complexa mistura de sentimentos e ressentimentos

Como lidar com a vulnerabilidade e a tristeza daqueles que, durante parte essencial de nossas vidas, são os responsáveis por cuidar de nós? Como reconhecer, durante o complexo período que é a adolescência, os defeitos e falhas daqueles que habitualmente e até então são os nossos modelos e exemplos a serem seguidos? Esses são os conflitos enfrentados pela adolescente Sveva, personagem central do longa-metragem italiano Como uma tartaruga (Come le tartarughe, no título original) em cartaz na 24ª edição do Festival do Rio, que acontece entre os dias 6 e 16 de outubro em diversos cinemas das cidades do Rio de Janeiro e de Niterói.

A narrativa do filme é tão simples quanto ordinária: Danielle, patriarca da família, retira-se de sua casa após vinte anos de casamento com Lisa sem muitas explicações, deixando não apenas a agora ex-esposa, mas também seus dois filhos, a adolescente Sveva e o jovem Paolo. Não sabendo lidar com a dor do fim de seu relacionamento, Lisa isola-se dentro do armário de seu quarto, recusando-se a conviver com outras pessoas e a enfrentar a nova realidade lhe imposta. Diante da fragilidade da mãe, Sveva é colocada no papel de responsável pelas tarefas cotidianas da casa e também de mediadora entre seus pais, tentando compreender os motivos que resultaram na dissolução de sua família e superar o desafio de manter-se neutra diante do conflito do casal.

A situação vivida pela família representada no longa não é exceção; ao contrário, é cada vez mais comum dentro da dinâmica social. Para citar um exemplo, o número de pedidos de divórcio na Itália – país onde o filme se situa – aumentou cerca de 60% após a pandemia, e sua tendência é de crescimento. Entretanto, pesquisas e dados elevados não atenuam o doloroso e particular processo de uma separação, especialmente quando há filhos provenientes da relação. É provável que boa parte dos espectadores visualize a si próprio ou pessoas próximas nas situações mostradas em tela ao longo dos sucintos, porém eficientes, 82 minutos de exibição.

Monica Dugo assina a direção e o roteiro da obra (escrito em colaboração com Massimiliano Nardulli), e também atua no papel de Lisa, a matriarca da família. A cineasta italiana é muito competente ao construir os personagens de sua trama e seus respectivos arcos de amadurecimento. São apresentadas diferentes perspectivas da temática trabalhada: o marido infeliz que busca uma mudança de vida, ainda que por meios egoístas; a esposa acomodada a uma relação que já não funciona e que se recusa a reconhecer seu fracasso; a criança que tem sua vida transformada do dia para a noite e tenta se adaptar à nova configuração do seu ambiente familiar; e a filha adolescente que acaba obrigada a tratar de assuntos e sentimentos para os quais ainda não tem a maturidade necessária, além de confrontar defeitos e erros dos pais desconhecidos até então.

A atuação e a química das atrizes Monica Dugo e Romana Maggiora Vergano, no papel de mãe e filha, são belas e intensas, mostrando nuances que vão da intimidade e carinho à raiva na mesma cena. Essa mistura de sentimentos e ressentimentos é algo real e pertinente à complexa relação desenvolvida entre as personagens. Ademais, destaca-se o trabalho de Francesco Gheghi no papel do namorado de Sveva; o personagem funciona como uma ponte de neutralidade e conexão entre mãe e filha, ajudando a jovem a compreender a dor de Lisa, que não é apenas sua mãe, mas também uma mulher magoada, deprimida e com projetos de vida destroçados.


Como uma tartaruga foi merecidamente premiado no Festival de Veneza deste ano. Trata-se de um roteiro aparentemente simples, mas extremamente delicado ao abordar questões sociais cotidianas, dolorosas ou não, da rotina familiar. Monica Dugo entrega um competente trabalho e mostra que tem muito mais a contribuir ao cinema, na frente e atrás das câmeras.

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