Críticas


VIGARISTA DO ANO, O

De: LASSE HALLSTRÖM
Com: RICHARD GERE, ALFRED MOLINA, HOPE DAVIS, MARCIA GAY HARDEN, STANLEY TUCCI, JULIE DELPY.
09.10.2007
Por Luiz Fernando Gallego
"F" DE FRAUDE

Lançado no Rio de Janeiro nas semanas do Festival do Rio 2007, O Vigarista do Ano corre o risco de ser pouco visto por um público que poderia curtir bastante o filme. Pois se não chega a ter todo perfil de um arrasa-quarteirão de bilheteria, merecia maior visibilidade junto a diferentes camadas de cinéfilos – que mais não fosse, para as fãs de Richard Gere descobrirem que ele evoluiu muitíssimo como ator, conseguindo aqui sua melhor interpretação – e interessar a quem gosta de roteiros espertos baseados em fatos reais.



Talvez muitos que viveram a época em que a história aconteceu (início dos anos 1970) nem lembrem com detalhes do escândalo em que foram arroladas uma respeitável editora de livros e uma revista do grupo “Time-Life”, ludibriadas ao apostaram muito dinheiro em uma suposta autobiografia autorizada do recluso milionário Howard Hughes, poucos anos antes de sua morte. O responsável pela fraude foi o escritor Clifford Irving que recorreu a práticas desonestas para vender a idéia de que Hughes o havia escolhido para escrever sobre sua vida. Com a ajuda de um amigo que trabalhava em pesquisa para livros recorreu, sem permissão, a documentos e escritos de terceiros, forjou cartas manuscritas “assinadas” por Hughes e chegou a receber polpudos cheques que foram depositados pela mulher de Irving em uma conta na Suíça, usando nome e documentos falsificados.



É difícil acreditar que Irving e seus cúmplices de fraude acreditassem racionalmente que o golpe fosse dar certo até o fim. Mas como o ser humano raramente é cem por cento “racional” e se deixa levar por fantasias, devaneios e wishful thinking, a história apresentada no filme dirigido pelo geralmente anódino Lasse Hallström é verossímil – ou, melhor dizendo, é verdadeira – pelo menos em linhas gerais da trama rocambolesca.



É claro que o roteiro deve ter tomado as liberdades de praxe na adaptação – o que fez, ironicamente, com que a versão para tela tenha sido questionada pelo próprio Irving, tal como ele foi questionado (e desmascarado) no passado. Ou, quem sabe? - mais uma vez, Irving, um siderado pelo sucesso e fama a qualquer preço, queira chamar atenção assumindo o papel oposto ao que ocupou no passado: agora seria ele o falsamente biografado (apesar do filme ser baseado em um livro em que ele mesmo conta sua versão das peripécias que aprontou).



O que importa é que, mesmo que pudesse ser ainda mais ágil para ter maior sintonia com o clima de situação absurda (mas acontecida de fato), o filme mantém o interesse durante toda a projeção e é bem divertido quando traz para - algum nível de - realidade a questão da autenticidade de notícias, publicações, enfim, de tudo o que se proponha contar “A” verdade – a rigor, inapreensível em caso de tamanha pretensão. Ainda mais, em tempos de internet quando textos são atribuídos a autores que jamais os escreveram e lendas urbanas e paranóicas são divulgadas como se fossem absolutamente verdadeiras. O mais interessante é pensar o quanto o crédito dos que se deixam enganar colabora para que a mentira seja tomada como verdade. No caso deste filme, a mesma motivação de fama e suce$$o que teria impulsionado Irving para sua fraude é o que seduz os editores do que seria o “best-seller” do século que venderia “mais do que a Bíblia”.



As liberdades tomadas pelo filme só fazem tornar a fraude mais palatável, mesmo para sensibilidades aferradas à mais rigorosa ética: Irving aparece como um autor que teve boas críticas em livros anteriores, mas sem reconhecimento de vendas, financeiro e sem passaporte para a fama que escritores mais medíocres teriam alcançado. Sua agitada vida sexual com amantes que ele ia encontrar quando dizia estar atendendo aos chamados de Hughes é resumida a uma ‘Nina’ que é, de fato, importante para a revelação das armações do ousado trapaceiro. Seu parceiro de fraude, Dick Suskind é interpretado com extrema simpatia por Alfred Molina e mostrado como um sujeito mais preocupado com a “honestidade” do projeto – se é que isso seria possível no menor nível de exigência da categoria “honestidade”.



Aliás, o elenco é um dos trunfos do filme, reunindo desde veteranos em breve aparição - como Eli Wallach (que foi visto há pouco na excelente aparição que teve em O Amor não tira Férias) – a intérpretes competentes como Hope Davis, Stanley Tucci, Julie Delpy (sempre bonita) e Márcia Gay Harden - apenas para citar os que fazem os personagens mais importantes. Mas o destaque vai mesmo para Molina, sempre muito bom, e para Gere, em uma criação que chega a ser brilhante quando Irving “incorpora” Hughes, seus trejeitos, bigode, prosódia, etc. O personagem a que ele dá vida (e simpatia) parece estar quase se convencendo de que sua mentira é verdadeira, tal como um mitômano que perde os limites entre suas invencionices e a realidade – o que provavelmente o verdadeiro Irving nunca perdeu.



Indo além das trapaças armadas pelo personagem, igualmente real, interpretado por Leonardo Di Caprio no filme de Spielberg Prenda-me se for Capaz, O Vigarista do Ano tem o bônus de se aproximar de tramas políticas de outros trapaceiros ainda mais perigosos daqueles tempos, tal como o então presidente dos EUA, Richard Nixon, que logo iria comandar a invasão do prédio que resultou no escândalo Watergate. O cruzamento de Hughes (e suas investidas em aviação) com processos a que respondia e que poderiam ser manipulados pelo governo é instigante e poderia ser ainda mais desenvolvida (se não for uma nova fraude de teoria conspiratória que o filme sugere), ficando como apêndice de curioso pano de fundo do período, estendendo a vocação para fraudes a extratos mais “elevados” da sociedade. Nada muito diferente do que se vê hoje, em maior escala, provavelmente.



Cabe torcer para que o diretor sueco Lasse Hallström tenha novas bons histórias para filmar e se deixar contaminar pela adrenalina de roteiros inteligentes e abandone o marasmo da maioria de seus filmes americanos, onde, a rigor, só Gilbert Grape – Aprendiz de Sonhador teria algum destaque razoável. Pois, apesar do sucesso de Chocolate, outras coisas insípidas como Chegadas e Partidas e o recente Casanova com Heath Ledger (que nem foi para os cinemas, saindo direto em DVD) não acalentavam qualquer esperança de recuperação do diretor do estimado Minha Vida de Cachorro. Mas como Richard Gere também nunca deixou suspeitas que pudesse se transformar em um ator capaz de enriquecer seus personagens com as nuances de interpretação que demonstra neste filme, pode-se dar um certo crédito a Hallström. O melhor do Irving recriado no filme é a trama de mentiras sem fim em que vai se enredando, cada nova invencionice “justificando” a anterior e enrolando mais a teia que armou para si próprio.



Este filme ainda pode motivar rever O Aviador, em que Scorsese biografou Howard Hughes (com Leo Di Caprio) e – principalmente – o derradeiro filme de Orson Welles sobre falsificadores, Verdades e Mentiras, que teve participação dos verdadeiros Clifford Irving e de sua então amante, Nina – se é que se pode falar em um “verdadeiro” Irving. Além do falsificador de pinturas, Elmyr De Hory – sobre quem Irving havia escrito antes de incursionar na falsa biografia de H.Hughes. Fonte de inspiração?



A fotografia de Oliver Stapleton é condizente com a de filmes da época e a trilha sonora, espertíssima, tem números como You Can´t Always Get What You Want, dos Rolling Stones.



# O VIGARISTA DO ANO (THE HOAX)

Estados Unidos, 2007

Direção: LASSE HALLSTRÖM

Roteiro: WILLIAM WHEELER, baseado em livro de CLIFFORD IRVING.

Fotografia: OLIVER STAPLETON

Montagem: ANDREW MONDSHEIN

Direção de Arte MARIO VENTENILLA

Música: CARTER BURWELL

Elenco: RICHARD GERE, ALFRED MOLINA, HOPE DAVIS, MARCIA GAY HARDEN, STANLEY TUCCI, JULIE DELPY.

Duração: 115 minutos

Site oficial: http://thehoaxmovie.net



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