Em 2003, a Universidade de Brasília se tornou a primeira universidade federal a adotar um sistema de cotas raciais para ingresso. Com Rumo, Bruno Victor e Marcus Azevedo, dois realizadores do Distrito Federal, reconstituem a memória da luta que levou a essa importante conquista. A narrativa costura entrevistas de professores, militantes e alunos negros da UnB a imagens de arquivo e trechos de ficção que seguem a história de mãe e filho que tentam conseguir juntos uma vaga no ensino superior público. A exibição do filme justamente no bojo da mostra competitiva do Festival de Brasília causou comoção e a obra foi ovacionada pelo público.
Se a narrativa ficcional tem alguns problemas evidentes de direção de atores e poderia ser mais bem distribuída ao longo do filme, de modo a pontuar com mais precisão suas transições, as quebras de quarta parede, que revelam que as atrizes Leni Rabbi e Sierra Veloso são também estudantes cotistas da universidade (assim como a dupla de diretores), emocionam e sublinham que a produção audiovisual preta é ela mesma um dos muitos resultados possíveis da política de cotas. As entrevistas, muitas delas com membros do coletivo de estudantes negros que teve papel central nos debates sobre o tema no início dos anos 2000, intitulado EnegreSer, constroem um panorama dos anos anteriores à instituição das ações afirmativas no âmbito universitário. Impressiona ouvir estudantes desse período descreverem o racismo generalizado do ambiente acadêmico e um isolamento tão completo nos espaços que os poucos negros eram frequentemente confundidos com intercambistas, já que era mais fácil para um aluno estrangeiro preto adentrar aquele universo do que para um estudante afro-brasileiro. “Era muito bizarro ser estrangeira no meu país”, desabafa uma universitária que viveu a época. A forte emoção dos candidatos que conseguem, finalmente, acessar a UnB rende outros momentos bastantes tocantes.
Ao longo dos concisos 71 minutos de tela, surgem descrições aterradoras das retaliações sofridas pelo movimento negro estudantil, mescladas a imagens dos acalorados debates de então, que mostram os argumentos canhestros aventados contra a instituição da política de cotas. Esses registros da história recente do país, embora datem de apenas duas décadas atrás, parecem estranhamente deslocados no tempo, tão constrangedores quanto a imagem de um painel televisivo de “debate” sobre o tema composto por cinco pessoas brancas, todas elas se posicionando contra as cotas, e comandado por um apresentador disposto a silenciar violentamente a intervenção de um senhor negro da plateia. No entanto, são imagens que reafloram com força no Brasil de hoje e nos forçam a traçar um estranho paralelo entre um passado aparentemente superado e a possibilidade sempre assustadora do retrocesso inesperado.