Críticas


INVASORES

De: OLIVER HIRSCHBIEGEL (e sem crédito, cenas adicionadas por JAMES McTEIGUE)
Com: NICOLE KIDMAN, DANIEL CRAIG, JEREMY NORTHAM, JEFFREY WRIGHT
24.10.2007
Por Luiz Fernando Gallego
<b>INVASORES DE FILMES</b>

Pode ser que muitos espectadores tenham a curiosidade despertada, caso não conheçam a trama de Invasores, já utilizada em versões cinematográficas anteriores, a partir do livro de Jack Finney, The Body Snatchers, lançado em 1955 e transformado em filme pela primeira vez logo no ano seguinte: o cultuado Invasion of the Body Snatchers, assinado por Don Siegel, visto como mais um representante dos tempos da “guerra fria” entre EUA e a ex-URSS. Para muitos, seria uma metáfora da paranóia anti-comunista: alienígenas assumiam os corpos de humanos quando estes adormeciam e pareciam ser exatamente quem aqueles haviam sido - mas não eram mais as mesmas pessoas e agora não demonstravam mais emoções humanas, pois não as tinham. Ou seja, você poderia estar convivendo com um comunista dissimulado sem o saber - ou mesmo acabar sendo "possuído" por ideologias "alienígenas" - e se transformar em um deles! “Cuidado! Não durma! Fique alerta!” Esta seria a ´mensagem´ latente, mas nem tão ´subliminar´.



A mesma situação foi, entretanto, interpretada como sendo o oposto: uma alusão ao MacCarthysmo - que perseguia comunistas - em busca de um ´pensamento único´ norteamericano, sem espaço para dissidências ou liberdades ideológicas. O autor do romance e Siegel sempre disseram que pretenderam apenas apresentar um enredo com invasão terrestre por seres de outras galáxias, só que sem o aspecto (então) "óbvio" de monstrinhos verdes com cabeças enormes. Mas é fato que filmes do gênero “invasão” foram muito frequentes naquela época: alguns toscos, outros mais espertos – como seria o caso de Vampiros de Almas (título brasileiro da primeira versão). Se não havia nenhuma intenção “política” explícita, as leituras que foram feitas não são nada desprezíveis do ponto de vista psico-sociológico. A ambigüidade da situação básica da história e as divergentes inclinações políticas do diretor Siegel e do primeiro roteirista (Daniel Mainwaring) permitem que se faça diferentes leituras em direções ideológicas antagônicas. Assim é, se lhe parece.



Ainda que refilmado em 1978 por Philip Kaufman e em 1993 por Abel Ferrara, Hollywood recorre ao enredo antigo como mais uma de suas tentativas de não correr riscos, tentando uma dupla aposta: reciclar um argumento que já teria “dado certo” e contratar um diretor estrangeiro que tivera algum bom resultado recente, no caso, o alemão Oliver Hirschbiegel, de A Queda – As Última Horas de Hitler, indicado ao ‘Oscar’ de “filme estrangeiro” em 2004.



Embora tenha sido rodada em 2005, esta quarta versão de “Invasores de Corpos” (título das duas refilmagens anteriores) só chegou às telas no final de 2007, depois de ter sido, em parte, reescrito pelos irmãos Wachowski (da série Matrix) e de ter recebido cenas adicionais filmadas pelo diretor de V de Vingança, James McTeigue. Em panela que muito se mexe e muita gente mete a colher...



Pode ser que algum dia se tenha acesso ao filme que Hirschbiegel entregou à Warner Bros - que não gostou do resultado e providenciou as intervenções (ou invasões) citadas. E que se descubra que o original, no corte do diretor alemão era mais interessante do que o que está sendo lançado agora. Ou então... que já não havia dado muito certo mesmo. O que se diz é que foram acrescentadas, dentre outras, cenas de automóveis em carreira desabalada, fazendo supor que o que havia antes era algo mais introspectivo, soturno, “psicológico”. Bom ou ruim?



Tudo isso não passa de especulações: o que temos no presente é um filme que se deixa assistir, ainda que aos sobressaltos na narrativa, como o da constante mudança de um rumo mais “neutro” ou distanciado para outro, mas agitadinho e adrenalínico - sem que combinem muito bem - e o resultado final quase não impressiona muito. Além de falhar bastante no que seria o clima de uma hipótese inicial a ser induzida no espectador: a de que a sensação de certos pacientes da psiquiatra vivida por Nicole Kidman sobre seus familiares (“meu marido não é meu marido”, por exemplo) não passaria de um quadro de estranhamento de psicóticos em vias de sofrer recaídas em surtos paranóides. A personagem da ‘Dra. Bennel’ vai descobrir, como na velha piada, que “existia mesmo jacaré em baixo da cama”. É curioso como, apesar da mudança do sexo do personagem (o herói era um psiquiatra masculino na primeira versão, aqui é uma médica e mãe protetora de seu filhote), o sobrenome ‘Bennel’ é preservado, assim como os sobrenomes de outros personagens principais que foram mantidos ao longo deste mais de meio século de “invasões”, mantendo vínculos com a matriz mais antiga de 1956.



Já o método de invasão dos corpos (ou das almas, como queria o primeiro título brasileiro) ganha uma certa sofisticação “científica”, com “explicações” sobre vírus que se ligam ao DNA das pessoas contaminadas – em vez das insólitas e sinistras (até porque meio toscas) vagens gigantes, uma espécie de “casulos” de onde saíam os “novos” corpos, agora habitados mentalmente pelos alienígenas da década de 1950. O que poderia ter sido uma espécie de antecipação de ‘clonagem’ de corpos com eliminação dos modelos originais se transforma em parasitismo dos mesmos.

Um pouco como este filme faz com seus antecessores. Parasita-os, mas carece de emoção.

Até porque acaba sendo uma salada com excesso de componentes heterogêneos: há imagens “de microscópio” mostrando os vírus na corrente sanguínea (um pouco à moda de telefilmes didáticos sobre os elementos do sangue) e também uma (rápida) alusão visual a manequins de vitrines (para sugerir a falta de empatia dos invasores em pele de humanos?).



Mas, a partir das interpretações políticas feitas aos filmes anteriores, o roteiro atual (o re-escrito ou o que começou a ser filmado?) parece se sentir na “obrigação” de estabelecer significados mais "profundos" para a peculiar forma de invasão - que se caracteriza essencialmente por manter as aparências humanas, mas sem a nossa humanidade familiar (os afetos, positivos ou negativos). E aí o filme se mostra mais confuso no ´conteúdo´ do que na sua linguagem (porque também há heterogeneidade formal, tal como cenas de “antecipação” bem gratuitas e alguns cortes esquisitos que truncam o desenvolvimento da ação em meio a um estilo (?) que parecia querer ser mais ‘morno’): os invasores seriam como um único ser (sem conflitos internos, é claro) que se multiplica em outros milhares de seres capazes de – agora - estabelecer a paz entre países em guerra e de promover aproximações inimagináveis, como a que é vista entre Bush e Chávez (!?!?). A “mensagem” – se existe alguma – é a de que nossa humanidade é mesmo conflitiva e belicosa, mas mesmo assim, preferível a uma “pax” alienígena.



O aspecto mais instigante da idéia original de Jack Finney é preservada, no sentido de que os estranhos estrangeiros têm aspecto físico totalmente familiar - o que ainda poderia merecer um desenvolvimento “freudiano” no sentido do “Unheimlich” (o estranho assustador de histórias fantásticas, estranho este que seria, no entanto, algo conhecido, familiar, mas que ficou inconsciente - porque foi reprimido). Isto, definitivamente, não está presente nesta reciclagem da história, embora a idéia de uma “natureza humana” agressiva sob um verniz de civilização se anuncie óbvia e evidente. Mas não há porque se pensar tão cedo em mais uma refilmagem do livro de Finney. Até porque esta fica como bastante dispensável, talvez até mesmo para quem não conhece as anteriores: híbrida no “conteúdo” e dissonante na forma, perdendo-se o que talvez tenha sido a concepção mais interessante do cineasta alemão, um certo clima de banalidade na “invasão” – mas que acaba contrastando de modo áspero com (mais uma...) acelerada perseguição de automóveis. Este filme, enfim, parece uma espécie de “vampiro das almas" de seus predecessores – mas sem alma própria: como na cena final, chocante por parecer um enxerto terminal que “coroa” as contradições do roteiro que teria sofrido uma espécie de “operação - invasão - Frankenstein”.



# INVASORES (THE INVASION)

EUA, 2007

Direção: OLIVER HIRSCHBIEGEL (e sem crédito, cenas adicionadas por JAMES McTEIGUE)

Roteiro: DAVE KAJGANICH

Fotografia: RAINER KLAUSMANN

Montagem: HANS FUNCK e JOEL NEGRON

Música: JOHN OTTMAN

Elenco: NICOLE KIDMAN, DANIEL CRAIG, JEREMY NORTHAM, JEFFREY WRIGHT, JACKSON BOND, VERONICA CARTWRIGHT, CELIA WESTON.

Duração: 93 minutos

Site oficial: www.br.warnerbros.com/theinvasion

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