Críticas


JUSTIÇA A QUALQUER PREÇO

De: ANDREW LAU
Com: RICHARD GERE, CLAIRE DANES, KADEE STRICKLAND, RUSSEL SAMS
25.10.2007
Por Luiz Fernando Gallego
QUEM FAZ PARTE DA CORJA?

Nosso colega neste site, João Marcelo, percebeu que em uma cena de Justiça a Qualquer Preço, o termo usado para o título original, The Flock (nos dicionários: “manada”, “rebanho”), foi traduzido nas legendas como “corja”. É mais ou menos isso mesmo que o personagem de Richard Gere pensa sobre sua “clientela”: pessoas que cometeram crimes sexuais, agora em liberdade, mas que são monitoradas por funcionários de uma agência governamental de segurança (não exatamente policiais).



O protagonista é um destes agentes, obsessivamente aplicado (até demais) e que extrapola suas funções frequentemente. Ele vai se aposentar em poucos dias e deve orientar quem vai sucedê-lo (a personagem de Claire Danes), mas está totalmente empenhado em salvar uma jovem desaparecida na região naquela mesma semana. Ele suspeita que a moça esteja sendo vítima de algum dos membros da “corja” que ele acompanha: não acredita que o comportamento compulsivo destes pervertidos sexuais se modifique; está certo de que, mais cedo ou mais tarde, voltarão à transgressão. Restaria saber qual deles seria o provável seqüestrador.



Se a compulsão irresistível traz sofrimento íntimo para os que apresentam atos repetitivos da ordem de lavar as mãos dezenas de vezes, quando a coisa se manifesta na área do jogo compulsivo, isto pode comprometer toda a família do jogador. Quando se dá na esfera da sexualidade, é diretamente lesiva para as vítimas dos transgressores que não contêm seus impulsos. Para o “suspense” do enredo ser mantido, a trama lembra demais o gancho de Silêncio dos Inocentes (salvar uma moça raptada) mas com maior número de pervertidos e uma variedade quase nauseante de perversões.



O roteiro traz alguma originalidade ao sugerir aproximações do “homem da lei” com os criminosos: afinal, o que faz alguém se interessar por um serviço destes? A sociedade precisa de pessoas que executem tarefas que, para maioria das pessoas, é inimaginável como atividade laborativa. Mas a fronteira que separa policiais de criminosos pode ser mesmo bem nebulosa, como este filme sugere. Tal associação é usada até mesmo pelos desviantes: ele se compraz com o abismo moral que investiga? Qual seria a “tara” oculta do agente? Ou nem tão oculta: uma cena mostra de que violência ele pode ser capaz, “justificado” por uma boa finalidade. Os meios? Às favas com os rigores éticos da lei, como sugere o título brasileiro. Vale tudo: “a qualquer preço”



Em alguns aspectos, este filme apresenta curiosas coincidências com Tropa de Elite: seja por tratar de uma “passagem de cargo” com a iniciação de um novo agente por outro mais experiente; seja pelas atitudes que os personagens centrais de ambos os filmes se permitem, avocando a si “direitos” de atos "preventivos" que não são exatamente “humanos”. Para convencer o espectador de que vale tudo para inibir os pervertidos, estes aparecem como tarados de plantão que são muito, mas muito perversos, além de pervertidos. E a moça desaparecida precisa ser salva, como é lembrado a toda hora. As situações expostas podem ser mais desagradáveis do que parte das platéias toleraria. Não que haja muitas cenas “explícitas” de sadismo, mas as que estão lá, o que é sugerido, as reações dos investigados e as do agente da lei... já são suficientes para criar um clima mais do que tenso: desconfortável.



Não é muito auspiciosa a estréia americana do cineasta de Hong Kong, Wai-keung Lau (agora assinando como Andrew Lau), com histórico de 35 filmes por lá em quinze anos - e que ficou mais famoso por ter realizado Conflitos Internos (2002), a base de Os Infiltrados (2006), de Scorsese. Consta que houve cenas refilmadas por Niels Mueller (autor de O Assassinato de Richard Nixon, de 2004, seu único filme até agora). E The Flock ainda não estreou em território americano, sendo motivo de indagação sobre o que é que está havendo em vários sites estrangeiros de cinema.



A narrativa de Lau é competente, com planos inteligentes para apresentar a ação, a fotografia de Enrique Chediak ajuda, a montagem funciona bem - mas cabe uma pergunta análoga à que o filme levanta sobre o personagem que trabalha com uma "escória" humana que ele considera abjeta: o que faz com que se eleja roteirizar e filmar uma tal intensidade de sadismo em algumas das práticas enfocadas? Não basta levantar uma questão nietzscheana como a que é feita mais de uma vez ao longo do filme: "quando você olha para o abismo, o abismo olha de volta para dentro de você". O filme precisaria ser tão genial quanto para demonstrar tal tese sobre “abismos na alma humana”. Como está, fica a impressão de uma produção com interesse em certo grau de exploração sensacionalista, disfarçada pelo uso de alguns “álibis” para tratar das taras que apresenta: a questão sobre o que separa um agente da lei de um criminoso, mesclada à citação de Nietzsche - vernizes para exploração do pior que o ser humano pode apresentar.



# JUSTIÇA A QUALQUER PREÇO (THE FLOCK)

EUA, 2007

Direção: ANDREW LAU (WAI-KEUNG LAU) (com cenas refilmadas por NIELS MUELLER)

Roteiro: HANS BAUER e CRAIG MITCHELL

Fotografia: ENRIQUE CHEDIAK

Montagem: TRACY ADAMS e MARTIN HUNTER

Direção de Arte ED VEGA

Música: GUY FARELY

Elenco: RICHARD GERE, CLAIRE DANES,KADEE STRICKLAND, RUSSEL SAMS

Duração: 101 minutos

Site oficial: www.justicaaqualquerpreco.com.br



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