Críticas


PASSADO, O

De: HECTOR BABENCO
Com: GAEL GARCIA BERNAL, ANALIA COUCEYRO, ANA CELENTANO
01.11.2007
Por Marcelo Janot
ADAPTAÇÃO PROBLEMÁTICA

Se Coração Iluminado (1997) era até então o filme mais intimista de Hector Babenco, já que foi feito quando ele se recuperava de uma grave doença e representa um retorno a Buenos Aires e às suas próprias memórias, este O Passado, se não é autobiográfico, bem que poderia ser. Há um forte parentesco entre ambos, especialmente através da figura atormentada do protagonista masculino. Ou seja, o Rimini vivido pelo ótimo Gael Garcia Bernal está mais próximo de Babenco do que o livro O Passado, do escritor argentino Alan Pauls, poderia fazer supor.



Ao tomar certas liberdades na adaptação desta ambiciosa e elogiada obra de quase 500 páginas, Babenco nos deixa com uma dúvida (o crítico ainda não teve acesso ao livro, recentemente editado no Brasil): trata-se de um livro inadaptável para as telas ou o diretor errou a mão ao sintetizar em duas horas de projeção o calhamaço de Pauls? Porque o fato é que há algo de errado com O Passado, o filme, e isto parece muito mais fruto das escolhas erradas do diretor/roteirista do que culpa da obra em que se baseia.



Embora a narrativa seja linear, e um filme chamado O Passado caminhe sempre em direção ao futuro, abrindo mão dos flashbacks (a não ser diegeticamente na cena em que Rimini e Sofia assistem a uma projeção caseira em Super-8 das cenas de seu casamento), percebe-se como opção proposital do diretor desorientar o espectador com elipses temporais sucessivas e inesperadas. Até aí nenhum problema, isso cabe perfeitamente como recurso estilístico narrativo, ainda mais em se tratando de um personagem que assiste, zonzo e passivamente, ao tempo atropelar sua própria existência.



Porque o que se percebe é que embora o aspecto sedutor de Rimini impulsione suas escolhas amorosas, serão sempre as mulheres que se encantam e se apaixonam por ele – eis aí um elemento narcísico que conecta o filme a Coração Iluminado - quem determinarão os rumos de sua vida. Embora Vera, a modelo ciumenta, e Carmen, a tradutora madura, sinalizem para um futuro, enquanto Sofia, a ex-mulher, estiver ao seu redor, o passado será, para Rimini, sempre um fantasma de difícil convívio. Passado? Rimini? Coincidência ou proposital referência a Fellini, o cineasta de Rimini que filmou o passado como ninguém?



Uma proposta interessantíssima que vai perdendo força ao longo do filme, graças a uma série de equívocos. A começar pela caricatura que são certos personagens-chave. O ciúme exagerado faz de Vera um personagem risível e unidimensional, digno de folhetim tosco, sem quaisquer possibilidades de surpreender o espectador com alguma sutileza (a não ser que se considere sutileza o fato de a moça exibir seus irretocáveis dotes físicos praticando ioga pelada). O mesmo pode ser dito de Sofia e seu processo de enlouquecimento. Fica difícil de entender sua transformação, pois não dá pra acreditar que seja causada pelo trauma da separação, que parece ter sido decidida em comum acordo após uma relação de 12 anos aparentemente harmoniosa (a ponto de os dois dormirem na mesma cama mesmo depois de separados e ela ajuda-lo a escolher apartamento).



Há inúmeras cenas dispensáveis e totalmente fora de contexto, que não se justificam e nem acrescentam nada à narrativa, como a relação de Rimini, em sua fase treinador de academia, com uma cliente perua, sua ida à São Paulo e a visita que recebe do namorado de Sofia. Sem contar o coroamento com a sociedade de mulheres que se identificam com Adele H, que soa como uma infeliz fantasia misógina. Se há filmes que, por conta de suas qualidades, despertam no espectador a vontade de ler o livro em que se baseiam, com o O Passado isso acontece por causa de seus defeitos: ele deixa a impressão de que o livro deve ter coisas a dizer que Babenco, infelizmente, não soube comunicar.



# O PASSADO (EL PASADO)

Argentina/Brasil, 2007

Direção: HECTOR BABENCO

Roteiro: HECTOR BABENCO E MARTA GOES

Produção: OSCAR KRAMER, HUGO SIGMAN, HECTOR BABENCO

Fotografia: RICARDO DEDLLA ROSA

Edição: GUSTAVO GIANI

Música: IVAN WYSZOGROD

Elenco: GAEL GARCIA BERNAL, ANALIA COUCEYRO, ANA CELENTANO, MARIANA ANGHILERI

Duração: 114 min.



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