Em Conduta de Risco os personagens centrais estão em crise de identidade. Por exemplo, Karen Crowder (Tilda Swinton) está há pouco tempo no cargo de conselheira de uma grande empresa que enfrenta ações judiciais por conta de um herbicida que pode ter sido letal para humanos. O espectador a vê gravando uma entrevista para a imprensa com cenas entrecortadas de seu “ensaio” para a gravação, ainda na frente do espelho de casa quando ela balbucia, hesita, esquece o que vai dizer, engasga. Na hora da entrevista ela se mostra mais segura, com o texto bem decorado. Mas ela foi colocada no fogo e está, de certa forma, passando por um teste no sentido de defender a empresa a qualquer preço ou “fazer a coisa certa”. A empresa e seu antecessor no cargo confiam nela.
Quem desafinou no coro dos contentes e já fez a opção pela “coisa certa” foi o advogado sênior da companhia, Arthur Edens (Tom Wilkinson), portador de distúrbios de humor que podem levá-lo a quadros de excitação intensa e grande descontrole quando não toma seus remédios, um workalhoolic voraz já por conta de sua personalidade de base exaltada. Mas ele adverte seu amigo, também advogado (interpretado por George Clooney), que o que está fazendo “pode não ser só loucura”. Quando o amigo o confronta dizendo que ele é um maníaco-depressivo, Arthur rebate: “Eu sou Shiva, o deus da morte!”
O personagem principal vivido por George Clooney (que dá o título original do filme, Michael Clayton) mostra-se mais modesto inicialmente: várias vezes vai se definir como um “faxineiro”, aquele que limpa as sujeiras dos clientes do seu escritório e da empresa em questão. No entanto, quando o louco (mas não só - e nem sempre tanto) Arthur está desconfiado da lealdade de Michael, este lhe afirma que não é o inimigo de quem ele está se escondendo - e Arthur novamente se sai com uma boa frase de efeito: “Então, quem é você?”
Estes são alguns momentos de diálogos e cenas atraentes do roteiro irregular de Tony Gilroy, uma estréia eficiente na direção, mas bem menos feliz do que em sua atividade anterior habitual, como roteirista que foi dos três filmes da série “Bourne”: Identidade, Supremacia e Ultimatum.
A questão talvez resida no fato de que este Conduta de Risco pretenda ser mais do que apenas um filme de ação como foram os sucessos “Bourne” e outros roteiros menos satisfatórios de Gilroy para filmes igualmente menos interessantes do que a trilogia; e são surpreendentes os deslizes em algumas inverossimilhanças psicológicas de certos personagens e situações, tal como uma enorme falta de malícia de um advogado experiente como “faxineiro” em relação à possibilidade de grampos telefônicos, além de outras “surpresas” que o herói vai ter ao longo da trama.
Igualmente, certas providências (que não serão explicitadas aqui), tomadas por um lado e por outro do conflito, soam mais adequadas a um filme-pipoca de ação incessante (como uma explosão) do que para este drama ético em personagens de pretensão mais consistente do que apenas carne-e-osso, porque com acréscimo de almas em conflito de identidades (faxineiro, conselheira, deus da morte). O drama da identidade do personagem Jason Bourne era de um feitio muito diverso dos conflitos dos protagonistas neste Michael Clayton e aqui o roteirista não foi tão hábil como conseguiu ser em sua mise-em-scène sem maiores vôos, mas eficaz.
Alguns ótimos atores colaboram quando aproveitam suas chances, de modo que o interesse no filme se sustenta bem e alguns problemas só serão pensados depois de encerrada a projeção. Um dos destaques é Tilda Swinton que transmite suas inseguranças com o olhar e uma dose de overacting que só se permite a atores de exceção. O filme é generoso para com ela ao editar as cenas de “ensaio” para a entrevista com a “hora da verdade” frente às câmeras. O espectador sabe que a verdade estava no ensaio cheio de hesitações e Tilda é capaz de representar a atuação da personagem insegura sutilmente na hora em que finge estar firme nas mentiras e circunlóquios decorados; coisas que estamos acostumados a ver em políticos corruptos ou caras-de-pau pegos em situações de saia-justa, mas que pretendem se sair bem através de falatório vazio e de aparência bem-comportada (e bem-vestidos como ela se apresenta).
Mas é Tom Wilkinson que por si só justificaria conhecer o filme: quem poderia dizer sem cair no ridículo a frase: “Eu sou Shiva, o deus da morte?” Muito poucos atores. O personagem acalma-se de modo um pouco rápido demais e inconvincente, mas isso não atrapalha a intensidade do desempenho de Wilkinson, um dos maiores coadjuvantes em atividade. É só lhe dar chance em breves cenas como as que ele tem neste filme - ou papéis de destaque como em Mentiras Sinceras para ele fazer uma festa de interpretação.
Infelizmente não se pode dizer o mesmo de George Clooney, que definiu uma chave de interpretação adequada, mas a repete de modo monocórdio, sem conseguir driblar as inconsistências do personagem. É correto o tipo com semblante quase sempre depressivo, desalentado, enfadado, mas Clooney não dá conta de ir muito além disso, ficando a falta de modulação mais por conta do ator do que do caráter e momento existencial de ‘Michael’. Se não chega a atrapalhar, o desnível, nas cenas com Tilda e com Wilkinsom (ainda que estes tenham mais oportunidades) fica evidente. Pior ainda é a maquiagem usada no ator com intuito de evidenciar seu rosto sempre cansado e desanimado: um delineador na parte inferior dos olhos se faz grosseiramente notável – especialmente no longo plano próximo de sua face nos créditos finais. É quando a excelência de nitidez da fotografia do competente Robert Elswit (Magnólia, Bom Dia, Boa Noite) trabalha “contra”.
A trilha musical de James Newton Howard, o co-autor com nosso Antonio Pinto na trilha de Colateral, repete um pouco do estilo rítmico espaçado e bem marcado que este compositor vem usando, mas que funciona bem no clima pretendido.
No final das contas, trata-se de uma produção a 4 mãos de uma verdadeira tropa de choque do politicamente correto liberal de Hollywood, incluindo o astro Clooney, o diretor Sidney Pollack (que também tem uma pequena participação como ator - o que faz eventualmente e sempre com a mesma cara), Anthony Minghella e Steven Soderbergh. O pano de fundo contra empresas que negligenciam aspectos ecológicos e cuidados com a vida humana se faz presente como motivo mas não chega a ser o centro da trama que tenta falar de destruição e – quem sabe? - reconstrução de um caráter, afinal de contas, atributo que define melhor Shiva do que ser apenas o “deus da morte”.
# CONDUTA DE RISCO (MICHAEL CLAYTON)
EUA, 2007
Direção e Roteiro: TONY GILROY
Fotografia: ROBERT ELSWIT
Montagem: JOHN GILROY
Direção de Arte CLAY BROWN
Música: JAMES NEWTON HOWARD
Elenco: GEORGE CLOONEY, TOM WILKINSON, TILDA SWINTON, SIDNEY POLLACK
Duração: 119 minutos
Site oficial: http://michaelclayton.warnerbros.com