Um certo desapontamento pode acometer o espectador que vai aos cinemas assistir a Pobres criaturas, vencedor da categoria de melhor filme no Festival de Veneza deste ano, esperando encontrar similaridades com trabalhos anteriores do diretor grego Yorgos Lanthimos. Em seu mais recente longa-metragem, um dos principais nomes da Estranha Onda Grega abre mão da estética que caracteriza tal movimento cinematográfico, presente em suas obras anteriores como Dente canino (2009) e O lagosta (2015), e mostra o desejo de desenvolver a sua própria linguagem autoral.
Pobres criaturas é uma adaptação do livro homônimo do já falecido autor escocês Alasdair Gray, publicado em 1992, e ainda sem tradução para a língua portuguesa. No romance, com toques de ficção científica e terror, ambientado na Europa vitoriana, acompanhamos o amadurecimento intelectual, emocional e sexual da personagem Bella, “criação” do Dr. Godwin Baxter, que traz a mulher “de volta à vida” em uma experiência similar à descrita pela escritora Mary Shelley em 1818 no seu renomado livro Frankenstein. Emma Stone interpreta a personagem central da trama, enquanto o peculiar Dr. Godwin fica a cargo de Willem Dafoe. O elenco conta com outros nomes, como Ramy Youssef, Christopher Abbott, Margaret Qualley e Mark Ruffalo – excelente no papel do mau-caráter Duncan Wedderburn, com grandes chances de indicações a prêmios.
Ao longo de suas duas horas e 21 minutos de exibição, que poderiam ser exaustivas, mas não são, a audiência acompanha não apenas o amadurecimento da protagonista, mas também do diretor. Lanthimos não poupa esforços para representar o seu olhar sobre a Era Vitoriana, elaborando uma cenografia rica em tonalidades e detalhes, com perceptíveis influências de outros diretores, como o estadunidense Tim Burton e o mexicano Guillermo Del Toro. É possível reconhecer que até mesmo as famosas curvas do genial arquiteto espanhol Antoni Gaudí serviram de inspiração na elaboração de edifícios e mobiliários.
O figurino, assinado por Holly Waddington, se destaca e atua como uma espécie de extensão de Bella e consequentemente da atuação de Emma Stone, com capas, cores e mangas que ganham e perdem volume e intensidade de acordo com as emoções, a autonomia e a sexualidade da personagem em cena. A direção de arte, sem dúvidas, é um dos pontos mais fortes de Pobres criaturas e não será nenhuma surpresa se obtiver indicações e vitórias na próxima temporada de premiações cinematográficas.
O trabalho de Emma Stone ao interpretar Bella Baxter é excelente. A composição da personagem vai desde o trabalho corporal até as minuciosas expressões faciais, algo que Lanthimos soube aproveitar muito bem ao utilizar uma série de planos em extreme close-up, ou seja, enquadramentos de câmera focados unicamente no rosto da atriz. Vencedora do Oscar de melhor atriz em 2017 por La La Land e indicada outras duas vezes por Birdman (2015) e A favorita (2019) – cuja direção também é de autoria do realizador grego –, Stone entrega uma de suas melhores atuações, digna de indicações e possíveis prêmios caso o cinema fantástico protagonizado por uma mulher não seja novamente ignorado pelo júri, a exemplo do caso de Florence Pugh em Midsommar.
Yorgos Lanthimos oferece ao público, com Pobres criaturas, algo diferente de tudo que já havia produzido em sua filmografia, ainda que alguns poucos elementos de suas origens na Estranha Onda Grega possam ser reconhecidos – os constragedores silêncios em algumas cenas são um deles. Soube trabalhar bem o roteiro adaptado por Tony McNamara, repetindo a parceria de A favorita, resultando em um filme competente não somente por sua qualidade técnica, mas pelo resultado final positivo no que parece ser sua busca por uma linguagem autoral como cineasta.