Críticas


DESEJO E REPARAÇÃO

De: JOE WRIGHT
Com: KEIRA KNIGHTLEY, JAMES MCAVOY, ROMOLA GARAI
14.01.2008
Por Daniel Schenker
AS APARÊNCIAS ENGANAM?

A maior parte das crianças quer, sobretudo, ver a alma, alguns após certo tempo, outros logo de início. É a mais ou menos rápida invasão desse desejo que faz a maior ou menor longevidade do brinquedo. Não sinto coragem de censurar esta mania infantil: é uma primeira tendência metafísica. Quando este desejo se fixa na moela cerebral da criança, ela enche seus dedos e suas unhas de uma agilidade e de uma força singulares. A criança vira, revira seu brinquedo, esfrega-o, sacode-o, martela-o contra as paredes, joga-o por terra. De tempos em tempos ela o faz recomeçar seus movimentos mecânicos, às vezes em sentido inverso. A vida maravilhosa pára. A criança faz um supremo esforço: finalmente ela o entreabre, ela é a mais forte. Mas onde está a alma? É aí que começa o estupor e a tristeza.



Este trecho de Moralidade do Brinquedo , texto de Charles Baudelaire, pode ser, de alguma maneira, relacionado a Desejo e Reparação , transposição cinematográfica de Joe Wright para o livro Reparação , de Ian McEwan. Se Baudelaire destaca o espanto infantil diante da constatação de que o interior é vazio, o filme traz à tona uma articulação talvez mais convencional entre os conceitos de exterioridade/interioridade e aparência/essência. Vejamos: numa casa de campo na Inglaterra, durante um dia de verão de 1935, a impetuosa Briony Tallis (Saoirse Ronan), então com 13 anos, é confrontada com a descoberta de uma relação bem mais íntima do que poderia supor existir entre sua irmã, Cecília (Keira Knightley), e o filho da empregada (interpretada pela excelente Brenda Blethyn, subaproveitada aqui) de sua família, Robbie (James McAvoy). Testemunha, Briony se apropria dos fatos a partir não só das evidências como da subjetividade de seu olhar e o filme explicita em sua estrutura o descompasso entre a realidade e a interpretação da personagem ao primeiro mostrar o acontecimento segundo a visão de Briony para em seguida retroceder e expor o que, de fato, aconteceu. Em Desejo e Reparação , as aparências enganam, como manda o ditado.



Mas as aparências também revelam – e Briony não está errada em relação ao que percebe a respeito de Cecília e Robbie. As imagens também não deixam dúvidas em toda a panorâmica da evacuação de Dunquerque, anos depois. Inicialmente, o intuito de Joe Wright com essa passagem parece ser o de tão-somente fornecer um retrato da desolação suscitada pela guerra. Aos poucos, porém, o espectador vê-se diante de um aterrorizante quadro de enlouquecimento coletivo. Já em outros momentos, há algo aparente e algo (interno) a ser descortinado, a exemplo da cena em que Briony retira a atadura da cabeça de um paciente e se depara com o cérebro a descoberto. A perspectiva da revelação do oculto é potencializada por meio de uma constante alternância entre focado/desfocado, claro/escuro, num filme marcado pela presença de espelhos e pela importância destinada à própria luz. Ingredientes de uma possível discussão que se sobrepõe ao núcleo temático algo acadêmico de McEwan/Wright: a necessidade de alguém de reparar uma grave mentira, de se purificar de uma atitude irresponsável que gerou conseqüências definitivas.



# DESEJO E REPARAÇÃO (ATONEMENT)

Reino Unido, 2007

Direção: JOE WRIGHT

Roteiro: CHRISTOPHER HAMPTON

Fotografia: SEAMUS McGARVEY

Montagem: PAUL TOTHILL

Música: DARIO MARIANELLI

Elenco: KEIRA KNIGHTLEY, JAMES MCAVOY, ROMOLA GARAI, VANESSA REDGRAVE, BRENDA BLETHYN, SAOIRSE ROMAN.

Duração: 130 minutos

site oficial: www.atonementthemovie.co.uk/site/site.html

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