Críticas


DESEJO E REPARAÇÃO

De: JOE WRIGHT
Com: KEIRA KNIGHTLEY, JAMES MCAVOY, ROMOLA GARAI
14.01.2008
Por Luiz Fernando Gallego
O PODER DESTRUIDOR DA MENTIRA

O romance de Ian McEwan, Atonement (expiação, compensação, reparação) foi intitulado no Brasil com um destes significados (Reparação), embora os termos dicionarizados não sejam necessariamente idênticos em nossa língua. Mas todos preservam a discussão central que o autor colocou como reflexão sobre a história que narrou e o modo de apresentá-la: qual o lugar de uma recriação ficcional de fatos acontecidos e – digamos – inspiradores para um escritor?



A versão cinematográfica foi dirigida por Joe Wright (da recente refilmagem de Orgulho e Preconceito de Jane Austen, também com Keira Kneightley) e chega às telas brasileiras como Desejo e Reparação. O título dado certamente visa bilheteria, mas não é de todo despropositado, cabendo até mesmo a idéia de “Desejo e Repressão” - além da “reparação” que só se explica no desfecho e que é – como já foi dito – o cerne da proposta de McEwan ao escrever "um romance que pensa um romance”.



Na inevitável condensação para duas horas e pouco de projeção, aspectos ligados à repressão do desejo se destacam, enquanto a condição social dos personagens nas castas britânicas de antes da II Guerra nem aparece tão enfatizada. Os tipos secundários, tal como os “primos do Norte”, Lola e os gêmeos mais novos que agem de forma a propiciar lances fundamentais para a trama, assim como o personagem central, Robbie, são um tanto brevemente caracterizados em seu extrato sócio-econômico e de “origem”, fator importantíssimo para a aceitação fácil de algo que será incriminado a Robbie. Mas, apesar dessa pequena questão (que talvez nem seja tão séria para espectadores que não conhecem o romance), o que importa é reconhecer que o roteiro de Christopher Hampton (Ligações Perigosas, 1988) é das melhores adaptações já feitas de uma obra literária de destaque para um filme igualmente marcante.



Retomando a questão do desejo (reprimido) como categoria inserida no título brasileiro, cabe também a lembrança da peça de Lillian Hellman que foi levada às telas duas vezes (1936, 1961) por William Wyler, The Children’s Hour (aqui, Infâmia), muito marcada pela mentira de uma menina sobre um possível relacionamento lésbico entre suas duas professoras - mas que, segundo a própria Hellman, tinha como foco “o poder destruidor da mentira”, não importando que na versão de ’36, por questões de censura, a mentira tivesse sido “atenuada” (?) para um suposto caso das duas mestras com o mesmo homem.



Em Reparação, o drama se desenrola a partir de um misto de engano catatímico e afirmação que acaba sendo assumida como verdade, ainda que sem certeza. Ou seja, com consciência de falseamento, mentira. Quem afirma o que não podia afirmar é também uma menina precoce de seus 13 anos, encantada por um rapaz que corteja sua irmã, já moça feita. O recalque do desejo adolescente vai retornar como idéia fantasiosa do rapaz ser um devasso em permanente assédio sexual às suas parentas um pouco mais velhas do que a espevitada menina-moça. Fantasias estas, estimuladas pela visão excitante de duas situações onde a adolescente fica como “terceira”, excluída de “cenas primárias” de casais em intercurso sexual. E ainda por cima, com um lapso do rapaz ao enviar uma carta obscena para sua amada quando pretendia enviar outra, mais “formal”. O retorno do verdadeiro desejo, no entanto recalcado, se dá através de enorme força motivadora, o que faz que ele envie a carta escrita com o que – de fato – desejaria dizer (e fazer) no terreno sexual. Em jargão freudiano, o já popular “ato falho”.



Esta parte romanesca se destaca na versão para cinema, sem que fique de fora a discussão sobre ficção e realidade original do livro. E isto é conseguido com propriedade, não sem antes passar pelo mais satisfatório trecho das cenas de Robbie na França durante a guerra - a parte central do filme que inclui um sinuoso e virtuosístico plano-seqüência de tirar o fôlego, e que obriga o destaque ao fotógrafo Seamus McGarvey, o mesmo de As Horas, mas que não se acomodou na repetição do mesmo tratamento, embora os dois filmes possam ter alguns pontos tangenciais.



Outros aspectos que contribuem para a excelência do filme são a música, com inserção de sons de teclas de máquina de escrever, pertinente ao enredo - e os desempenhos de todo o elenco, no mínimo sempre adequadíssimo aos personagens, com uma breve e inesquecível participação de Vanessa Redgrave.



# DESEJO E REPARAÇÃO (ATONEMENT)

Reino Unido, 2007

Direção: JOE WRIGHT

Roteiro: CHRISTOPHER HAMPTON

Fotografia: SEAMUS McGARVEY

Montagem: PAUL TOTHILL

Música: DARIO MARIANELLI

Elenco: KEIRA KNIGHTLEY, JAMES MCAVOY, ROMOLA GARAI, VANESSA REDGRAVE, BRENDA BLETHYN, SAOIRSE ROMAN.

Duração: 130 minutos

site oficial: www.atonementthemovie.co.uk/site/site.html

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