Críticas


MOTEL DESTINO

De: KARIM AINOUZ
Com: IAGO XAVIER, NATALY ROCHA, FABIO ASSUNÇÃO
22.08.2024
Por Marcelo Janot
Flerta com o policial noir, o thriller erótico e o drama, com um resultado quente e envolvente.

Logo após a primeira exibição de “Motel Destino” em Cannes, assim que as críticas de veículos estrangeiros começaram a ser publicadas, um aspecto em comum entre elas chamou a atenção: os gringos ficaram muito impressionados com este estabelecimento tipicamente brasileiro que é o motel. Talvez induzidos pela definição original de motel (o hotel de beira de estrada que surgiu nos Estados Unidos com o intuito de servir como local de descanso para motoristas e famílias em trânsito), foi uma surpresa descobrir que no Brasil o motel tem como principal finalidade o sexo, por isso hóspedes não costumam ficar mais do que algumas horas, ou no máximo um pernoite.

Karim Aïnouz explicou na entrevista coletiva que enxerga o motel como metáfora de um Brasil hipócrita, em que a liberdade para a realização explícita de seus desejos e fantasias sexuais está limitada ao confinamento em locais como esse. Tal conceito ganha outras dimensões no Motel Destino do filme, um estabelecimento de quinta categoria no litoral cearense, a começar pelo que o nome sugere. É ali que se definirá o rumo que irá tomar a vida de Heraldo (Iago Xavier), depois que ele se deixa levar por uma mulher sedutora e perde o compromisso que tinha com criminosos locais. Conclusão: seu irmão é assassinado e ele percebe que passa a correr risco de vida. O lugar que lhe parece mais seguro como refúgio é justamente o motel onde a mulher lhe passou a perna e o deixou sem lenço, apenas com o documento.

Heraldo passa a viver e trabalhar escondido no motel, e seu destino passará pela relação que estabelece com os donos do local, Dayana (Nataly Rocha), gerente e faz tudo, e o agressivo Elias (Fábio Assunção), marido dela. Uma relação que rompe os limites racionais do desejo, moldado pelo instinto carnal simbolizado pela figura surreal de um jumento fazendo sexo no quintal do estabelecimento.

Embora a percepção de mundo de Haroldo inclua visões fantasmagóricas, o motel por si só já é um convite a que se embarque numa dimensão onírica. O neon e as cores fortes são ressaltadas pela fotografia da francesa Hélène Louvart, que está mais próxima de seu trabalho em “Disco Boy”, que lhe valeu o prêmio de contribuição artística no Festival de Berlim do ano passado, do que de “A Vida Invisível”, outra parceria de Karim com Hélène. Paralelamente à claustrofobia induzida pelo excesso de cores nos corredores estreitos dos bastidores do motel, nota-se outro elemento importante: os permanentes gemidos, urros e toda uma gama de sons que parecem vir dos quartos, como que relembrando aos protagonistas que o sexo é onipresente, o combustível que alimenta a vida e, consequentemente, os destinos de cada um.

É a volta em grande estilo de Karim Aïnouz a uma realidade bem brasileira, depois de exibir ano passado em Cannes “Firebrand”, produção falada em inglês que se passa na Inglaterra do século XVI. É no Ceará de “Motel Destino” que o diretor vai resgatar elementos presentes em filmes como “O Céu de Suely” e “Praia do Futuro” para retrabalhá-los em uma atmosfera que flerta com o policial noir, o thriller erótico e o drama, com um resultado quente e envolvente.


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