Críticas


GOLPE DE SORTE EM PARIS

De: WOODY ALLEN
Com: LOU DE LAÂGE, MELVIL POUPAUD, VALERIE LEMERCIER, NIELS SCHNEIDER
21.09.2024
Por Marcelo Janot
Allen faz do seu mundo analógico mais uma vez terreno seguro para entregar um passatempo ligeiro e agradável

“Paris” acrescentada ao título brasileiro do novo filme de Woody Allen, parece ser para pegar carona no sucesso de “Meia-noite em Paris”. O “Golpe de Sorte” (“Coup de Chance” no original) acontece na capital francesa como poderia ser em Nova York, com personagens burgueses divididos entre Manhattan e o luxo dos Hamptons. É o milieu por onde Allen sempre transitou à vontade, e aqui personagens são francesas porque só assim ele conseguiu financiamento.

Aos 88 anos, o diretor segue vítima de “cancelamento” por parte dos que ainda acreditam na acusação de abuso sexual considerada improcedente pela justiça duas vezes, e isso parece refletir um cansaço criativo que já vinha sendo notado em seus últimos trabalhos. “Um Dia de Chuva em Nova York” (2019) reciclava personagens e situações de “Manhattan”, “Meia-Noite em Paris” e “Tudo Pode Dar Certo”, mas mesmo com gosto de prato requentado, trazia iguarias raras de se encontrar no humor contemporâneo. Já “O Festival do Amor” (2020) tinha Wallace Shawn interpretando um dos muitos alter egos que o diretor criou para si ao longo da carreira, sem o mesmo timing cômico dele como ator, mas as referências e citações a clássicos do cinema europeu que influenciaram Allen garantiam ao filme um certo encantamento.

Em “Golpe de Sorte em Paris”, ele recicla um tema (a trama de assassinato marcada pelos acasos do destino) visto em filmes como “Crimes e Pecados” e sobretudo “Match Point”, mas sem o vigor narrativo impulsionado por roteiros que suscitavam reflexões morais e filosóficas através de diálogos afiados e irônicos. Pode ser que o humor tenha se perdido na tradução do roteiro para a língua francesa, já que Allen não domina o idioma.

Vivida por Lou de Laâge, a jovem Fanny Moreau (homenagem de Allen às musas do cinema francês Fanny Ardant e Jeanne Moreau) é a “esposa-troféu” de um arrogante consultor financeiro, Jean (Melvil Poupaud), que esconde um passado criminoso. O reencontro inesperado com um ex-colega de escola Alain (Niels Schneider), um escritor boêmio e romântico, reacende nela o fogo da paixão, mas a falta de química entre os dois atores realça de maneira não intencional a canastrice das declarações de amor de Alain.

Embora Melvil Poupaud encarne bem um tipo tão característico do comportamento social e profissional em um mundo contaminado pelo neoliberalismo predatório, o roteiro deixa escapar a oportunidade de desenvolver um olhar crítico, ácido e bem humorado de que Allen seria capaz sobre o personagem que é definido como alguém que vive de “fazer as pessoas ricas mais ricas ainda”.

A entrada em cena da mãe de Fanny (Valérie Lemercier) contribui para apimentar uma trama que se direciona para o aspecto detetivesco, e mais uma vez percebemos que um Woody Allen em forma exploraria melhor as possibilidades cômicas que a “intrusa” possibilitaria. Ao se levar a sério, os elementos implausíveis do roteiro ficam expostos.

Apesar dos deslizes e das possibilidades não aproveitadas, Allen, que pontua a história com livros escritos à mão e trenzinhos de brinquedo, faz do seu mundo analógico mais uma vez terreno seguro para entregar um passatempo ligeiro e agradável, que pode parecer pouco para o que nos acostumamos vindo dele no passado, mas que está na média de seu cinema recente, contando mais uma vez com o reforço luxuoso da fotografia de Vittorio Storaro, sempre uma atração à parte.


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