Críticas


QUEER

De: LUCA GUADADIGNO
Com: DANIEL CRAIG, DREW STARKEY, JASON SCHWARTZMAN
11.12.2024
Por Luiz Fernando Gallego
Daniel Craig é o maior trunfo de um filme que, no todo, deixa a desejar.

Como de hábito, o diretor Luca Guadagnino excede em pretensão sem chegar ao que parece querer atingir (a exceção terá sido Me chame pelo seu nome). Depois da estranha louvação a Zendaya - também produtora do filme Rivais - no papel de uma mulher capaz de virar a cabeça de dois homens (gosto não se discute, mas quem foi criado com estrelas fascinantes como Ava Gardner ou Rita Hayworth, ver Zendaya como pivô tão irresistível a ponto de causar uma “desamizade” entre amigos foi difícil pra mim), Guadagnino volta a abordar mais de perto o terreno da homossexualidade através da trajetória existencial de “Lee”, personagem que não esconde ser o próprio escritor William S.Burroughs (1914-1997), autor do livro em que o filme é baseado - e também de “Almoço Nu”, filmado por Cronenberg em 1991 e que teve o título de "Mistérios e Paixões" no Brasil.

Enquanto o filme de ’91 se passa numa cidade de cultura árabe no Norte da África, Queer transcorre no México e na América do Sul em outra fase da vida de Burroughs, posterior ao relatado em "Naked Lunch", numa época que parece ser o início dos anos 1950 pela cenografia, automóveis e roupas. Embora a trilha musical mescle canções de época com outras muito mais recentes (do “Nirvana”, por exemplo).

Dividido em três partes e um epílogo, o filme começa no México mostrando Lee em permanente caça a parceiros sexuais em meio a uma comunidade gay heterogênea, eventualmente aludindo ao peso da culpa e estigma da “perversão” conforme os preconceitos de então; outros são francamente assumidos, sejam viris ou afetados. Não fica claro como ‘Eugene’ – que Lee vai conseguir ter como parceiro mais frequente – vivencia a homossexualidade: por vezes ele parece distante, hesitante (um joguinho?) – e quase sempre “blasé”. Este "capítulo" é longo, reiterativo, ficando desinteressante, ainda que aceitemos que o roteiro não tem como gancho uma “história” propriamente dita, parecendo mais com uma recriação ficcional do que o escritor teria vivido, um fiapo de enredo onde o que importa são situações, mais do que fatos com seus desenvolvimentos. O tédio poderia ser antonioniano, mas isso não parece ser a meta do filme que prefere deslizar por possíveis fetiches de Lee (ou símbolos?) como a lacraia em forma de gargantilha de um parceiro eventual, gargantilha que, às vezes, "ganha vida" numa possível referência aos monstros alucinados do filme de Cronenberg.

Na parte dois, Lee viaja pela América do Sul com Eugene, mas o relacionamento por parte do homem mais jovem sugere uma espécie de "favor" que ele estaria "concedendo" ao mais velho, deixando Lee tenso, inseguro e angustiado. No "terceiro ato" eles chegam ao objetivo de Lee/Burroughs - que é o de experimentar Ayahuasca em plena selva amazônica do Equador. A viagem alucinógena começa com um momento (curto) que lembra alguma coisa escatológica e de mau gosto dos filmes de (novamente) Cronenberg.

Um corte enigmático (alucinação? experiência mística/metafísica?) joga o filme num epílogo que transcorre “dois anos depois” conforme o letreiro na tela - epílogo que confirma o que outras críticas já apontaram: Guadadigno tem dificuldade com o desfecho de seus filmes. Não falta uma alusão ao assassinato da mulher do escritor que ocorrera no passado, mas só quem conhecer a vida dele ou tiver visto o filme de Cronenberg é que poderá entender uma cena análoga a como se deu aquele patético assassinato num sonho/delírio/alucinação de Lee perto do final do filme.

Indicado ao Globo de Ouro de ator, Daniel Craig é o maior trunfo de Queer numa interpretação que pode até ser comovente na caracterização do vazio que seu personagem tenta suprir com sexo & drogas - ao mesmo tempo em que não deixa de lado traços desagradáveis do tipo ao qual ele dá vida e humanidade.

Os cenários e a fotografia, por vezes, fazem pensar numa espécie de hiper-realismo artificial (se é que se pode dizer algo assim), como se fossem pinturas de um outro Hopper, só que em modo de pesadelo; outro ponto muito interessante de um filme que, no todo, deixa a desejar.





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