Críticas


AQUI

De: ROBERT ZEMECKIS
Com: TOM HANKS, ROBIN WRIGHT, PAUL BETTANY, KELLY REILLY
18.01.2025
Por Mari Dertoni
Um mosaico temporal e emocional

A sensação de inércia ou o ato de se encontrar radicalmente paralizado pode ser bastante angustiante. Como para quem sofre de paralisia do sono, por exemplo, quando o cérebro está ativo, mas os músculos não respondem, causando medo, ansiedade e sensação de impotência. Ou então, no sentido contrário, quando estamos nos movendo todos os dias, trabalhando incessantemente para alcançar alguma estabilidade financeira, ou sustento básico, mas nada evolui e a sensação de estar parado é latente. Em Aqui, filme dirigido por Robert Zemeckis, escrito por Eric Roth e Zemeckis, e adaptado da graphic novel de mesmo nome de Richard McGuire publicada em 1989, nos deparamos com dilemas entre a passagem do tempo e o sentido de permanência. Acompanhamos as alegrias e tristezas de pessoas que são observadas de um ponto de vista fixo e situadas sempre em um mesmo local.

O local é um pedaço de terra demarcado, que inegavelmente permanece ao passar dos meses, anos, décadas e milênios retratados no longa de Zemeckis; que resolve falar outra vez de passado, presente e futuro, mas agora através de um melodrama familiar e não de um filme de ficção científica. Com a câmera posta em um ângulo imutável, durante todo o filme observamos as transformações do tempo nesse terreno estadunidense que vai passar por diversas transformações climáticas de uma área descampada, que recebe a chuva, o gelo, que com o degelo recebe a vegetação selvagem e os animais pré-históricos, os povos originários, os indígenas, até que finalmente chegue a civilização regida pela indústria, para fixar um cenário urbano ao recorte do filme.

Longe de ser um filme experimental, como os que fixam a câmera, tais como os de Michael Snow, Chantal Akerman e James Benning; Zemeckis brinca com a linguagem no plano fixo como uma janela de viagem no tempo, passando pelas crises políticas e financeiras, pelo período de Guerra e pelas tradições americanas mais marcantes. Acima de tudo, faz uma grande exploração do sentido de família, comunhão e das maneiras de lidar com o envelhecimento. Vemos, nos dois personagens centrais, diferentes formas de ação diante do passar dos anos, quando um se fixa e fica cada vez mais estagnado em seu conformismo, e o outro dá voz à sua urgência por movimento e mudanças.

Estrelado por Tom Hanks e Robin Wright, interpretando o casal Richard e Margaret Young, Aqui usa o alicerce dessa família, que abriga diferentes gerações sob o mesmo teto na casa centenária construída em frente a mansão que seria de William Franklin, filho bastardo de Benjamin Franklin – conhecido como “o pai da américa” - para mostrar cotidianos comuns, através de um olhar incomum. Seguindo a estética ilustrada na graphic novel, Zemeckis cria janelas temporais, utilizando a montagem para simular quadros que recortam a tela e nos levam para décadas diferentes, com histórias de pessoas diferentes.

Amarrando todas essas narrativas, está a arte de contar sobre a criação e evolução dos Estados Unidos, atravessando sua luta por independência, a Segunda Guerra Mundial, pontuando fatos históricos através de acontecimentos na vida dos personagens, sem nunca nos desviar o olhar da sala de estar da grande casa. Acompanhamos os avanços tecnológicos, a influência da música no comportamento americano, fazendo referências a artistas como Nancy Sinatra e à explosão do rock, ao baby boom, às consequências da Grande Depressão americana, ao racismo, ao surto de influenza, até à Covid-19.

O que alicerça o filme é a relação entre Richard e Margaret que, diante de recortes em idas e vindas temporais de fases da vida do casal, acompanhados desde a juventude até a velhice com uma escancarada artificialidade estética neste processo, mesclada a outras vidas que por ali passaram, percebemos um impasse que faz com que a dupla permaneça quase prisioneira da casa onde vivem. Há uma enorme insegurança financeira sentida pelo patriarca da família, fazendo-o ficar totalmente impotente diante do constante desejo de Margaret de viver em uma nova casa que fosse somente deles.

O desgaste dessa relação está intrinsecamente ligado ao excesso de trabalho de Richard e de suas inseguranças quanto ao futuro, um pensamento comum para o americano médio que sofreu as consequência de uma enorme crise financeira na década de 1970, marcada por recessão e inflação. O esforço para que essa relação amorosa sobreviva traz um apelo emocional enorme ao filme que, sutilmente, arrebata por nos fazer compreender tão bem os motivos dos desentendimentos de ambas as partes. Zemeckis não desvia o forte fio emocional entre os personagens nem por um instante, e explora a relação familiar no centro de suas intimidades, a forma como cada um está ali pelo outro nos momentos mais difíceis - como na morte ou na doença - e nos mais alegres - como no casamento ou em um nascimento.

Para além de toda essa estrutura que age como uma colcha de retalhos e que vai nos atravessando como um furacão de acontecimentos não lineares, Aqui nos deixa a reflexão sobre a mortalidade humana, sobre nossa passagem nesta terra perene, e o que realmente mais importa nessa jornada. O que no fim da vida nos resta de mais caro, se não nossa relação com quem amamos e com o local onde passamos a vida? A perpetuidade desse espaço físico e concreto, mostrado como um mosaico entre gerações, sempre se sobressai à passagem do Homem por ele; do Homem que envelhece e morre, que adoece, sente e sofre, que procria, locomove-se e parte. O espaço material, em todo caso, nunca será esvaziado de sentido, pois, depois de ocupado, ganha alma e história; e isso também ressoa para sempre, enquanto o “para sempre” estiver dentro do espaço-tempo de uma vida presente ali. A história, porém, transcende esse tempo e espaço e fica apenas refém do registro.

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