É estarrecedor ler comentários que ainda levam a sério os filmes de François Ozon, quase sempre complacentes em um afetado álibi de se situarem entre uma realidade diegética e uma fantasia de seus personagens. Se esta atitude cômoda “em cima do muro” para brincar de inteligente funcionou um poquinho em Sob a Areia, ainda que não se elevasse acima do relato de uma “case story” psicanalóide, a bobagem começou a degringolar de vez em Swimming Pool – À Beira da Piscina. Este truquezinho barato de criar um enredo insólito que acaba “explicado” pela revelação de que tudo não passava de fantasias de um personagem já se banalizou demais em uma enxurrada de sub-Alices em algum país das maravilhas (ou nem tanto), cacoete que atinge desde debochados espertos (ainda que super-ultra-valorizados), como David Lynch (em seu também superestimado Cidade dos Sonhos, por exemplo) até mediocridades como Ozon, não mais do que um artesão de competência básica em matéria de enquadrar imagens, mas com vôos intelectuais apenas rasantes ou nem chegando a decolar.
Claro que algum tipo de esperteza é preciso para se fazer passar por algo mais do que medíocre; e Ozon atira em várias direções com o disfarce de estar praticando metalinguagem ou metacinema pós-moderno. Uma brincadeirinha com o artificialismo de teatro filmado pode ser tolerável como em Oito Mulheres, desde que servido por atrizes carismáticas sem as quais o filme nem existiria. Mas quando ele (talvez) pretenda “falar sério” (sério mesmo - ou talvez), a coisa pode ficar constrangedora como em O Amor em Cinco Tempos , que mais parecia um ataque proselitista ao casal heterossexual com o “enfeite” da narrativa “do fim para o começo”, outro recurso já abusado em mediocridades como o absurdo Irreversível, de Gaspar Noé.
Angel se perde ao tentar falar de uma personagem que recria uma realidade fantasiosa não só em seus romances superficiais, mas também em seu modo de se relacionar com o mundo, seu passado, seus projetos. Tudo isso é mostrado através da desculpa e do recurso de reencenar um melodrama inverossímil como os do cinema comercial de décadas passadas: um pouco de uma neo-Scarlett O’Hara de ...e o Vento Levou se mistura a um tanto de visual da atriz lembrando Isabelle Adjani em Adèle H. e acaba sendo uma salada de cores e cenários “kitsch” para enredo meloso - como se a encenação do filme fosse o corolário dos livros escritos pela “mocinha” pretensiosa, arrogante e inculta arrivista que escreve suas histórias descabeladas que viram best-sellers numa Grã-Bretanha de pré-I Guerra Mundial.
A música da trilha sonora, obviamente derrama mais açúcar no chocolate e a fotografia em cores fortes não deixa dúvidas de que estamos no “mundo da representação”, enfatizada por maneirismos rococós do cenário. Mas estamos, definitvamente muito mais longe de Longe do Paraíso, quando Todd Haynes e a interpretação excepcional de Julianne Moore recriavam o clima de filmes de Douglas Sirk com um misto de envolvimento-e-distanciamento difícil de ser conseguido sem muito talento e criatividade. Um pouco como Fassbinder fez em O Medo devora a Alma, que era uma espécie de refilmagem de Tudo o que o Céu Permite mas também era outra coisa, um filme original em si mesmo. Mas falar de Fassbinder perto de Ozon, ainda que este tenha filmado há tempos um roteiro baseado em peça do outro (já como assumido "teatro filmado") é constatar ainda mais o desnível entre Ozon e cineastas com bem mais neurônios e emoções.
Infelizmente, em seu caso tudo se resume na definição que ele (ironicamente?) coloca na boca da personagem de Charlotte Rampling sobre os livros que formavam a obra que ‘Angel’ escrevia: “Bobagens de mau gosto”. Para não deixar dúvidas, nas frases finais do filme uma outra personagem questiona se ‘Angel’ vivia a vida real ou a que ela inventara para si. Ozon quer ser cínico com a realidade sem cores e ao mesmo tempo “assumir” o melodrama escancarado em tons carregados, mas só consegue transmitir bobagens de mau gosto.
# ANGEL (ANGEL)
Inglaterra/Bélgica/França, 2007
Direção: FRANÇOIS OZON
Roteiro: FRANÇOIS OZON, MARTIN CRIMP.
Fotografia: DENIS LENOIR
Edição: MURIEL BRETON
Direção de Arte: ALEXANDRA LASSEN
Música: PHILIPPE ROMBI
Elenco: ROMOLA GARAI, SAM NEILL, MICHAEL FASSBENDER, LUCY RUSSEL, CHARLOTTE RAMPLING.
Duração: 134 minutos
Site oficial: http://www.angel-lefilm.com