Críticas


A SEMENTE DO FRUTO SAGRADO

De: MOHAMMAD RASOULOF
Com: MISSAG ZAREH, SOHEILA GOLESTANI, SETAREH MALEKI
02.03.2025
Por Marcelo Janot
Os efeitos psicológicos de uma sociedade de mulheres expostas ao patriarcado.

"A Semente do Fruto Sagrado", vencedor do Prêmio Especial do Júri e do Prêmio da Crítica (FIPRESCI) em Cannes, foi rodado de forma clandestina no Irã e, para não ser preso o diretor Mohammad Rasoulof se exilou na Alemanha, que co-produziu e inscreveu o filme para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Internacional.

Rasoulof, de 51 anos, é parte de uma geração de diretores iranianos premiados, como Asgar Fahradi e Jafar Panahi, que se notabilizaram por ajudar a mostrar, através de histórias que envolvem paranoia, mistério e desconfiança, de que maneira as severas restrições impostas pelo regime teocrático se traduzem no cotidiano de seus cidadãos. Rasoulof despontou com o ótimo “Goodbye” (2011) vencedor do prêmio de melhor direção na mostra Un Certain Regard em Cannes, mesma seção que lhe deu o prêmio da FIPRESCI em 2013 por “Manuscritos Não Queimam” e o prêmio de Melhor Filme em 2017 por “Lerd”. Em 2020, seu filme “Não Há Mal Algum” ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim.

Quando um diretor reconhecido por filmes de forte conteúdo político inicia uma nova produção, ainda sob o calor dos protestos que se iniciaram no Irã após a morte suspeita de Mahsa Amini em um hospital (após ser presa por se recusar a vestir a jihab), a expectativa não poderia ser outra. E é correspondida à altura com uma história cujo protagonista transita entre o lado oficial e o libertário da sociedade. O título se refere às sementes da figueira sagrada, que estrangulam as árvores ao redor até que cresça uma nova, e pode ser lido como uma metáfora da esperança na nova geração de iranianos.

Iman (Missagh Zare) é um funcionário do departamento de justiça de Teerã que acaba de receber a notícia de uma promoção que pode proporcionar uma vida mais confortável à sua família. Ele parece entrar em um conflito ético quando seu chefe revela que entre suas novas tarefas está condenar à morte opositores do regime ignorando os autos do processo, mas isso logo vai ser deixado de lado perante sua lealdade ao Estado. Paralelamente, suas duas filhas pós-adolescentes fazem parte de uma geração que não está alheia aos conflitos trazidos pelos ventos de mudança. A esposa Najmeh (Soheila Golestani), que de início apoia o marido de forma inconteste, começa a abrir os olhos depois que a filha universitária dá refúgio em sua casa a uma amiga gravemente ferida em um protesto. O momento em que Najmeh retira os estilhaços de metal do olho machucado da jovem é uma incômoda cena de horror que transmite com perfeição uma ideia da violência policial.

Por motivos de segurança, Iman recebe uma arma do governo para sua proteção pessoal, e em um dado momento o revólver desaparece dentro de casa. Aqui temos um elemento que o cinema iraniano contemporâneo trabalha tão bem: um episódio envolvendo um mistério desencadeia uma série de conflitos que irão descortinar uma rede de mentiras, paranoia, hipocrisia, preconceito e tudo o mais que couber para descrever o efeito psicológico de se viver numa sociedade como essa.

Desconfiado da mulher e sobretudo das filhas, Iman recorre a uma série de subterfúgios para tentar arrancar delas uma confissão, incluindo o auxílio de um “especialista” em interrogatórios. Paralelamente, ele passa a ser alvo de protestos de opositores do regime, depois que seus dados pessoais vazam, e resolve levar a família para a casa nas montanhas onde cresceu. Um breve momento de paz familiar sugere uma reconexão, mas enquanto o mistério da arma não for resolvido não haverá paz – nem para Iman e nem para um país onde as mulheres estão condenadas a servir ao patriarcado.


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