"A Semente do Fruto Sagrado", vencedor do Prêmio Especial do Júri e do Prêmio da Crítica (FIPRESCI) em Cannes, foi rodado de forma clandestina no Irã e, para não ser preso o diretor Mohammad Rasoulof se exilou na Alemanha, que co-produziu e inscreveu o filme para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Internacional.
Rasoulof, de 51 anos, é parte de uma geração de diretores iranianos premiados, como Asgar Fahradi e Jafar Panahi, que se notabilizaram por ajudar a mostrar, através de histórias que envolvem paranoia, mistério e desconfiança, de que maneira as severas restrições impostas pelo regime teocrático se traduzem no cotidiano de seus cidadãos. Rasoulof despontou com o ótimo “Goodbye” (2011) vencedor do prêmio de melhor direção na mostra Un Certain Regard em Cannes, mesma seção que lhe deu o prêmio da FIPRESCI em 2013 por “Manuscritos Não Queimam” e o prêmio de Melhor Filme em 2017 por “Lerd”. Em 2020, seu filme “Não Há Mal Algum” ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim.
Quando um diretor reconhecido por filmes de forte conteúdo político inicia uma nova produção, ainda sob o calor dos protestos que se iniciaram no Irã após a morte suspeita de Mahsa Amini em um hospital (após ser presa por se recusar a vestir a jihab), a expectativa não poderia ser outra. E é correspondida à altura com uma história cujo protagonista transita entre o lado oficial e o libertário da sociedade. O título se refere às sementes da figueira sagrada, que estrangulam as árvores ao redor até que cresça uma nova, e pode ser lido como uma metáfora da esperança na nova geração de iranianos.
Iman (Missagh Zare) é um funcionário do departamento de justiça de Teerã que acaba de receber a notícia de uma promoção que pode proporcionar uma vida mais confortável à sua família. Ele parece entrar em um conflito ético quando seu chefe revela que entre suas novas tarefas está condenar à morte opositores do regime ignorando os autos do processo, mas isso logo vai ser deixado de lado perante sua lealdade ao Estado. Paralelamente, suas duas filhas pós-adolescentes fazem parte de uma geração que não está alheia aos conflitos trazidos pelos ventos de mudança. A esposa Najmeh (Soheila Golestani), que de início apoia o marido de forma inconteste, começa a abrir os olhos depois que a filha universitária dá refúgio em sua casa a uma amiga gravemente ferida em um protesto. O momento em que Najmeh retira os estilhaços de metal do olho machucado da jovem é uma incômoda cena de horror que transmite com perfeição uma ideia da violência policial.
Por motivos de segurança, Iman recebe uma arma do governo para sua proteção pessoal, e em um dado momento o revólver desaparece dentro de casa. Aqui temos um elemento que o cinema iraniano contemporâneo trabalha tão bem: um episódio envolvendo um mistério desencadeia uma série de conflitos que irão descortinar uma rede de mentiras, paranoia, hipocrisia, preconceito e tudo o mais que couber para descrever o efeito psicológico de se viver numa sociedade como essa.
Desconfiado da mulher e sobretudo das filhas, Iman recorre a uma série de subterfúgios para tentar arrancar delas uma confissão, incluindo o auxílio de um “especialista” em interrogatórios. Paralelamente, ele passa a ser alvo de protestos de opositores do regime, depois que seus dados pessoais vazam, e resolve levar a família para a casa nas montanhas onde cresceu. Um breve momento de paz familiar sugere uma reconexão, mas enquanto o mistério da arma não for resolvido não haverá paz – nem para Iman e nem para um país onde as mulheres estão condenadas a servir ao patriarcado.