Apesar de ser uma produção de Hong Kong com parceria francesa, este Um Beijo Roubado é o primeiro filme de Wong Kar Wai passado nos Estados Unidos. E conseguiu reunir um elenco de atores premiados pela Academia (caso de Rachel Weisz, por O Jardineiro Fiel) ou indicados (como David Straithairn, por Boa Noite e Boa Sorte - e os mais conhecidos Jude Law e Natalie Portman). A exceção é a cantora Norah Jones estreando como atriz no papel de Elizabeth, personagem-guia para os demais entrarem em cena. Ela se sai bem, apesar de dividir todas as cenas com profissionais mais experientes: na verdade, é como se ela servisse de “escada” para os outros. Assim como sua personagem observa mais do que age, o desempenho que se espera dela seria algo mais discreto mesmo.
Não que Elizabeth não faça nada: ela sofre uma decepção amorosa, desabafa suas mágoas com o dono de um bar (Jude Law), desaparece de New York, indo trabalhar do lado de lá do balcão no Sul dos EUA e ainda vai ser garçonete em um cassino, mais longe ainda de NY. Antes de um previsível epílogo (que não será mencionado aqui), o espectador acompanha um filme em três partes, sendo que na segunda ela vai atender um ex-casal em eterna crise, Straithairn e Rachel Weisz - e na terceira, Natalie Portman.
Se os atores fazem o que sabem e que se espera deles no caso dos homens (com a ressalva de que Jude Law está correndo o risco de ficar um tanto estereotipado como “maior abandonado”), as duas atrizes se mostram ainda capazes de surpreender. Rachel Weisz, em poucas tomadas, aproveita todas as oportunidades para transmitir sua personagem na íntegra e ainda com ajuda de um comovente monólogo onde reafirma sua competência. Natalie Portman, aquinhoada com um papel mais exuberante, usa e abusa da capacidade de empatizar com a psicologia de uma jogadora compulsiva, compondo uma interpretação vibrante.
O roteiro trata de desencontros afetivos e corações quebrados, tema recorrente em inúmeros filmes de Wong Kar Wai, agora sem o que podia nos seduzir anterioremente como parte de um certo “exotismo oriental”. O cineasta é um “estilista” brilhante, um narrador requintado de imagens que, aqui, lembram forçosamente o famoso quadro de Hopper, “Nighthawks”, pela ambientação em bares ou cafés tipicamente americanos em astral de desolação. O diretor não deixa de percorrer alguns espaços abertos rumo a Las Vegas, mas sua preferência é pelos interiores com planos fechados sobre os rostos dos atores. Seu tema é –como quase sempre - a frustração amorosa, o abandono, a solidão,. Curiosamente, seu roteiro mais “denso” talvez esteja no média-metragem A Mão, o melhor episódio de Eros. O requinte áudio-visual de seus filmes anteriores (como em 2046) pode soar, desta vez, mais próximo e menos sedutor para o espectador ocidental, mas a rigor, é o mesmo Wong Kar Wai dos últimos filmes, tratando da banalidade dos afastamentos e distâncias no tempo e no espaço - banalidade quando acontece com os “outros”, porque quando dói na gente mesmo... só resta comer a torta que sempre sobra: mirtilos (os blueberries do título original) com cobertura de sorvete.
#UM BEIJO ROUBADO (MY BLUEBERRY NIGHTS)
França/Hong Kong, 2007
Direção: WONG KAR WAI
Roteiro: WONG KAR WAI e LAWRENCE BLOCK.
Fotografia: DARIUS KHONDJI
Edição: WILLIAM CHANG
Direção de Arte: JUDY RHEE
Música: RY CORDER
Elenco: NORAH JONES, JUDE LAW, DAVID STRATHAIRN, RACHEL WEISZ, NATALIE PORTMAN.
Duração: 97 minutos
Site oficial: http://www.myblueberrynightsmovie.co.uk/