
Valério é um nepote de seu tio Linduarte e seu falecido pai, dois bicheiros conhecidos e amados pela comunidade da escola de samba que eles gerenciavam, Unidos da Pavuna. Valério se vê em uma posição instável, financeira e profissionalmente, já que ninguém vai ocupar o lugar do pai após a sua morte. Essa colocação de uma herança que deve ser conquistada é o que movimenta a narrativa de Os enforcados. Valério está com uma obra em andamento em casa e não tem dinheiro para dar sequência: os rendimentos do bicho estão abaixo dos valores das dívidas, e Valério pensa em vender a sua parte dos negócios para seu tio e tentar uma vida que não lhe exija liderança, que o compreenda com suas inseguranças, mas Regina, esposa de Valério, não se conforma com uma suposição de vida medíocre. Ela quer ter mais e, em uma consulta com a mãe, taróloga, sai destinada a convencer Valério a tomar o poder das mãos do tio Linduarte, mesmo que precise matá-lo.
A abstenção de Valério é um elemento que não está implícito apenas em sua persona profissional. Os seus desejos e seu posicionamento no casamento seguem essa mesma didática. No sexo, Valério e Regina simulam um estupro, em que ele fantasia ser um invasor, vestindo uma máscara e dizendo para Regina: "Seu marido é um fraco, né?". Valério não tem espaço no organograma do bicho, na hierarquia de poder que exige ser um oligarca violento; ele é um bobo da corte, indicado pelo pai para ocupar um lugar de passividade e abstenção. No casamento, a mesma coisa. Valério atua pelas margens de Regina, mas, após ser convencido a tomar o poder das mãos do tio, passa a absorver as malícias que o cargo exige: herda as dívidas que o tio tinha com outros bicheiros e, para conseguir quitá-las, embosca os credores e os mantém em cativeiro. O homem, que um dia era um signo de passividade, não exercia poder e morreu enforcado nos seus desejos mais iníquos, deseja agora mostrar o poder que tem.
O cadáver de Linduarte esteve escondido na casa reformada de Valério tempo o suficiente para Regina se questionar se o corpo realmente foi desovado ou se está cimentado nas estruturas da casa, como um signo que marca a majestade perversa de Valério, uma casa construída em cima de sua primeira vítima, seu ritual de passagem para incorporar o exercício manual e dessensibilizado da violência. O visual da obra ressignifica seus espaços conforme a narrativa. Tudo começa a parecer mais claustrofóbico e factualmente sufocante à medida que Regina está envolvida com as brutalidades de Valério: as cores ficam mais cinzas, a prepotência da esposa é subvertida em uma reclusão, e o tom da obra fica mais sórdido. A mudança dos padrões de Valério mudam a estrutura do crime na Zona Oeste no Rio de Janeiro, e agora seus desejos não precisam mais de máscaras para serem perversos. Os enforcados é um filme que transcende o seu exercício diegético, quando, nos momentos finais, o espectador está igualmente sufocado com as conclusões da trama.