Críticas


PAIXÃO DE JACOBINA, A

De: FÁBIO BARRETO
Com: LETÍCIA SPILLER, THIAGO LACERDA, ALEXANDRE PATERNOST, ANTONIO CALLONI
21.10.2002
Por Maria Silvia Camargo
NOVELÃO SEM SUTILEZAS

Esqueçam as polêmicas. A Paixão de Jacobina tem momentos desrespeitosos de tão ruins. Nem parece ter sido feito pelo mesmo diretor de O Quatrilho , mas por um auxiliar do assistente de direção que quis imitá-lo, não tendo a menor sutileza para isto. A boa equipe de produção está lá, a boa reconstituição de época, os figurinos, a luz, a cenografia, o casting, as maravilhosas paisagens, tudo do mesmo nível do filme de 1995. Mas, o que houve com o diretor? Diz a história que Jacobina Mentz tinha visões de Cristo e o ouvia. Mas porque isto precisa ser representado com uma luz saindo por detrás da cruz , a voz do poderoso bem grossa em off , e a discípula imediatamente se despindo de sua inseparável camisola branca enquanto fala com ‘Ele’? Parece novela do SBT . E como mostrar o quanto Jacobina e sua comunidade eram felizes? Basta inserir borboletas amarelas de computador em volta dela. Parece anúncio de sabonete, ou xampú.



Mas nem são estas, digamos, as opções que mais incomodam. É o roteiro (do competente Leopoldo Serran), ou como ele foi montado. Quarenta por cento das cenas poderiam estar em outro lugar. Não há um esqueleto que as una. No melhor estilo trabalho escolar mal feito, depois de “vamos mostrar como Jacobina era feliz” insere-se uma imagem “vamos mostrar como Jacobina sofria” e assim por diante.



Por falar, aliás, em trabalho escolar feito por obrigação, diante de oito milhões de reais e uma história polêmica, fascinante e desconhecida, Fábio Barreto tinha que demonstrar mais paixão. Tinha que tentar soluções menos pobres, como já fez em O Quatrilho . As críticas falam mal da protagonista, Letícia Spiller, mas a culpa não é dela. Ela não foi dirigida. Ninguém parece lhe ter dito: ‘module este seu olhar perdido’ ou ‘pare de tremer a cabeça o tempo todo’. Ou alguém garantiu ao diretor que Jacobina nasceu com aquele olhar e assim permaneceu por toda sua vida? O Dicionário Histórico das Mulheres do Brasil (da Editora Zahar) nos diz, por exemplo, que ela teve seis filhos (no filme tem apenas um). Então, ao longo de uma vida numa pobre comunidade camponesa, ao comprar legumes e cuidar das crianças, ela estava sempre de camisola branca, nua por baixo, descalça e com aquela atitude messiânica?



O bom de A Paixão de Jacobina é que ele desperta nossa curiosidade para este episódio digno de Canudos. Numa comunidade de imigrantes alemães próxima à cidade de São Leopoldo, na província do Rio Grande do Sul, em 1871, uma filha de camponeses, Jacobina Mentz, começa a ter visões e promover milagres. Ela decide fundar uma comunidade religiosa que prega a igualdade e o amor ao próximo, num contraste gritante com a hierárquica e autoritária igreja protestante local. Com uma maioria de analfabetos (em alemão e português) e desvalidos (recém-depauperados pela Guerra do Paraguai), a comunidade corre ao encontro das palavras da nova líder. Moderna – beijava os discípulos na boca – e corajosa, Jacobina começa a anunciar o fim do mundo. Diz a história – ou uma das lendas em torno da história – que o fanatismo da moça chegou a tal ponto que quando ela se escondeu no mato para fugir da polícia, chegou a matar seu filho menor, um bebê, para que ele parasse de chorar e não os denunciasse.



Não se sabe se isto é verdade, mas Fábio Barreto – baseado no romance Videiras de Cristal, de Assis Brasil – deixou de lado as polêmicas e a trata como santa. Vale dizer que Thiago Lacerda, Antonio Calloni, Leon Góes (ainda que no papel de Leon Góes) e Alexandre Paternost estão muito bem como os homens perturbados por esta mulher de tanta personalidade . É uma pena que ela tenha sido reduzida a um filme tão piegas.



# A PAIXÃO DE JACOBINA

Brasil, 2002

Direção : FÁBIO BARRETO

Roteiro: LEOPOLDO SERRAN

Produção: LUCY BARRETO e LUIZ CARLOS BARRETO

Fotografia : FELIX MONTI

Música: JACQUES MORELENBAUM

Montagem: MAIR TAVARES

Elenco: LETÍCIA SPILLER, THIAGO LACERDA, ALEXANDRE PATERNOST, ANTONIO CALLONI, LEON GÓES, FELIPE CAMARGO

Duração: 100min.

site: www.apaixãodejacobina.com.br

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